14 julho, 2015

"Cartas de amor de Fernando Pessoa"

Todas as cartas de amor são
Ridículas.
Não seriam cartas de amor se não fossem
Ridículas.
(Primeira estrofe de um poema de Álvaro de Campos)

Meu Bébé pequenino:
Pelo papel vês de onde te estou escrevendo. Refugiei-me aqui da chuva, e, como por isso atrazei varias cousas que tinha que fazer, não poderei ir ás 6 horas a Belem acompanhar a Nininha até Lisboa.
Estou um pouco melhor (de saúde, não de juízo), mas ainda me sinto bastante mal disposto.
Amanhã (salvo doença ou outra cousa que estorve) passo na tua rua entre as 11 e as 11.30. Se o Bébézinho quizer estar á janella, vê o Nininho passar. Se não quizer, não o vê (É author destas ultima frase o meu querido amigo Alvaro de Campos).
Que pena a fabrica em Belem não ter telephone. Se tivesse eu poderia avisar-te de que não ia, nos dias em que não pudesse ir; e excusava a Ibis do Ibis de esperar pelo Ibis.
Adeus, Bébé queridinho: muitos beijinhos do mau e sempre teu
Fernando
22/5/1920

Meu Bébé pequenino:
Então o meu Bébé fez-me uma careta quando eu passei?
Então o meu Bébé, que disse que me ia escrever hontem, não me escreveu?
Então o Bébé não gosta do Nininho? (Não é por causa da careta, mas por causa de não escrever)
Olha, Nininha; e agora a sério: achei que tinhas um ar alegre hoje, que mostravas boa disposição. Também pareces ter gostado de ver o Ibis, mas isso não garanto, com medo de errar.
Ainda fazes muita troça do Nininho? (A. De C.).
Não sei se irie amanhã a Belem; o mais provável, como te disse, é que vá. Em todo o caso, já sabes: depois das 6.30 não apareço, de modo que escusas de esperar pelo Ibis para alem dessa hora.
Ouvistaste?(sic)
Muitos beijos e um abraço á roda da cintura do Bébé.
Sempre e muito teu
Fernando
6/5/1920

Foi bom reler a meia centena de cartas de amor reunidas neste livro, que tem posfácio e notas de David Mourão-Ferreira, e preâmbulo de Maria da Graça Queiroz (sobrinha-neta da destinatária das cartas).
As cartas -  ternurentas, comoventes, bem-humoradas, respeitosas - são de Fernando Pessoa (1888-1935) para Ophélia Queiroz (1900-91), sua única namorada conhecida.
Casaram-se? Não!
Fernando Pessoa nunca se casou.
Ophélia casou-se, com um homem do teatro, três anos após a morte de Fernando.
E como foi que se conheceram? E como foi o namoro?
Ela desvenda tudo sobre o convívio de ambos, num emocionante testemunho:
Como conheci o Fernando 
Respondi a um anúncio do «Diário de Notícias».
Tinha 19 anos, era alegre, esperta, independente e, contra a vontade de meus Pais e família, resolvi empregar-me.
Conheci o Fernando no dia em que me apresentei ao anúncio… um senhor todo vestido de preto… com um chapéu de aba revirada e debruada, óculos e laço no pescoço. Ao andar, parecia não pisar o chão. E trazia – coisa mais natural – as calças entaladas nas polainas. Não sei porquê, aquilo deu-me uma terrível vontade de  rir…
Foi esta a minha primeira imagem do Fernando.
O Fernando adorava-me, e tinha uns repentes de paixão que me assustavam, mas que ao mesmo tempo me divertiam.
Era duma delicadeza e duma ternura imensa. (...)
Um poeta solitário - apaixonado. 
Estranho? Não, lindo!

2 comentários:

  1. Olá Denise,
    Seleccionei estas duas cartas não pelo conteúdo mas pelo tamanho mais conveniente para o "rol". Acredita que as restantes são lindas, lindas.
    Vale a pena ler... para conhecer melhor o GRANDE Fernando Pessoa.
    Bjs.

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