Cuidar dos pais
A minha mãe é a minha filha. Preciso de lhe dizer que chega de bolo de chocolate, chega de café ou de andar à pressa. Vai engordar, vai ficar eléctrica, vai começar a doer-lhe a perna esquerda.
Cuido dos seus mimos. Gosto de lhe oferecer uma carteira nova e presto muita atenção aos lenços bonitos que ela deita ao pescoço e lhe dão um ar floral, vivo, uma espécie de elemento líquido que lhe refresca a idade. Escolho apenas cores claras, vivas. Zango-me com as moças das lojas que discursam acerca do adequado para a idade. Recuso essas convenções que enlutam os mais velhos. A minha mãe, que é a minha filha, fica bem de branco, vermelho, gosto de a ver de amarelo-torrado, um azul de céu ou verde. Algumas lojas conhecem-me. Mostram-me as novidades. Encontro pessoas que sentem uma alegria bonita em me ajudar. Aniversários ou Natal, a Primavera ou só um fim-de-semana fora, servem para que me lembre de trazer um presente. Pais e filhos são perfeitos para presentes. Eu daria todos os melhores presentes à minha mãe.
Excerto da crónica de Valter Hugo Mãe, publicada na revista 2, do jornal Público de 29 Março 2015.
Vale a pena ler na íntegra.
(Pintura de Afonso Pinhão Ferreira - foto tirada da net)
Como eu gosto da escrita cândida e refrescante de Valter Hugo Mãe! Adoro! No entanto, confesso que, ao contrário do que aconteceu com os outro livros, não consegui terminar "Desumanização" :(
ResponderEliminarMas não desisto. Tenho de aguardar o momento certo para voltar a pegar nele.
Não é fácil de ler, mas é fenomenal. Acredita!
EliminarDá um tempo e depois pega de novo nele.
Fico à espera da tua opinião.