Ele diz-lhe que está só, atrozmente só, com esse amor que tem por ela. Ela diz-lhe que também ela está só.
Ela tem quinze anos e meio e é pobre. Ele tem vinte e sete e é rico.
Ela possui um rosto liso, que pinta para esconder as sardas, um corpo delgado e seios de criança. Ele possui no rosto o mistério de todos os orientais.
Olham-se pela primeira vez na barcaça do Mékong, em direcção a Saigão.
Ela usa um vestido de seda natural, quase transparente, calça sapatos de saltos altos dourados, e tem na cabeça um chapéu de feltro de homem. Ele usa um fato de seda claro.
Ela, da amurada contempla o rio. Ele fuma junto da limusina preta.
Deslumbram-se.
Ele aproxima-se, sorri e oferece-lhe um cigarro. Ela diz-lhe que não fuma.
Depois daquele encontro na barcaça ele passou a esperá-la todos os dias à porta do liceu, para a levar ao pensionato.
Uma tarde despem-se no quarto de um estúdio escuro no sul da cidade.
Ele diz que a ama como um louco. Ela não lhe responde. Poderia responder-lhe que não o ama. Não diz nada.
Ele treme. Ela sente um leve medo.
Ele pergunta se doeu. Ela diz que não.
Os beijos pelo corpo fazem chorar. Dir-se-ia que consolam. Em família não choro, diz ela.
Em 1984, Marguerite Duras recupera da memória este amor da adolescência e a relação difícil e complicada com a mãe e os irmãos e narra-as em "O Amante".
Sem pudor, escreve sobre a descoberta do amor e da sexualidade, sobre um ano e meio de encontros com o amante sofredor. Amante que anos depois da guerra, em Paris, liga para a menina branca, agora feita mulher, e diz-lhe que ainda a amava, que nunca poderia deixar de a amar, que a amaria até à morte.
Sem medo, escreve sobre a fragilidade dos laços familiares.
Nunca bom dia, boa noite, bom ano. Nunca obrigado. Nunca falar. Nunca necessidade de falar. Tudo fica mudo, longe. É uma família de pedra, petrificada numa espessura sem qualquer acesso. Todos os dias tentamos matar-nos, matar. Não só não nos falamos como não nos olhamos (…) Estamos juntos numa vergonha de princípio que é ter de viver a vida.
É verdade o que diz Marguerite Duras neste romance? Isso pouco importa.
Verdade ou ficção, o que importa mesmo é que gostei de o ler em Maio de 1993 e de o reler em Março de 2015.
Recomendo!
Marguerite
Duras- pseudónimo de Marguerite Donnadieu - nasceu em 1914 na Indochina, então
uma colónia francesa. Aos dezoito anos vai para Paris estudar Direito. Durante
a guerra toma parte na Resistência e publica os primeiros livros (Les
Imprudents, 1943 e La vie tranquile, 1944). Escritora, dramaturga e cineasta, é
considerada uma das principais vozes femininas da literatura europeia do Século
XX. Faleceu em 1996.
O Amante, de Marguerite Duras
Ed. Difel, 1992
Tradução de Luísa Costa Gomes e Maria da Piedade Ferreira
98 págs.
É um dos meus livros preferidos. Já o reli 3 vezes e, certamente, que ainda haverá uma quarta :)
ResponderEliminarTens razão, este é daqueles romances a que apetece sempre voltar. Mesmo com tudo desvendado em livro e filme, continua a comover-nos.
EliminarBoas leituras.
Nunca li nada dela,o que é uma grande lacuna. Gostei da sugestão! :)
ResponderEliminarBeijocas
Olá Teté!
EliminarJá te "conheço" o suficiente para assegurar que vais gostar deste romance. Lê-se num ápice. E não se esquece.
Depois me dirás.
Bjs.
Nunca li nada da autora, mas foi-me recomendado... Gostei imenso do que li aqui no seu blog, muito grata pela partilha.
ResponderEliminarOlá Luisa,
EliminarBem vinda ao meu rol e obrigada pelas palavras simpáticas.
Leia "O Amante". É lindíssimo!