07 fevereiro, 2015

"Nenhum olhar" - José Luís Peixoto

… talvez haja uma luz dentro dos homens, talvez uma claridade, talvez os homens não sejam feitos de escuridão, talvez as certezas sejam uma aragem dentro dos homens e talvez os homens sejam as certezas que possuem.
Nenhum olhar”, o romance mais traduzido de José Luís Peixoto, foi publicado pela primeira vez em 2000. Com ele, o escritor venceu o Prémio Literário José Saramago, 2001. Com ele alcançou o reconhecimento internacional.
Começa assim:
Hoje o tempo não me enganou. Não se conhece uma aragem na tarde. O ar queima, como se fosse um bafo quente de lume, e não ar simples de respirar, como se a tarde não quisesse já morrer e começasse aqui a hora do calor. Não há nuvens, há riscos brancos, muito finos, desfiados de nuvens. E o céu, daqui, parece fresco, parece a água limpa de um açude. Penso:
Talvez o céu seja um mar de água doce e talvez a gente não ande debaixo do céu mas em cima dele; talvez a gente veja as coisas ao contrário e a terra seja como um céu e quando a gente morre, quando a gente morre, talvez a gente caia e se afunde no céu…
E termina assim:
O mundo acabou. E não ficou nada. Nem as certezas. Nem as sombras. Nem as cinzas. Nem os gestos. Nem as palavras. Nem o amor. Nem o lume. Nem o céu. Nem os caminhos. Nem o passado. Nem as ideias. Nem o fumo. O mundo acabou. E não ficou nada. Nenhum sorriso. Nenhum pensamento. Nenhuma esperança. Nem consolo. Nenhum olhar.
No meio, uma narrativa perturbadora, emocionante e original, misto de real e fantasia, transporta-nos para uma vila do Alentejo. E ali, ouvimos homens e mulheres falar sobre a vida, a morte e a passagem do tempo. E ali, as vidas são duras. São feitas de muito trabalho, fome, tristezas, desgraças, ciúme, solidão, violência, morte. De pouco amor e alegrias. De muitos silêncios. De muitos dramas.
Muitos dramas, muitas histórias, muitos (e extraordinários) narradores-personagens…
… um demónio, e um gigante…
… e um homem fechado num quarto sem janelas a escrever.
A certeza é feita de muitas dúvidas.
Um homem sem certezas perde quase tudo de ser homem.
É triste e perturbador este romance. E poético e brilhante. E viciante.
Vou ler tudo de José Luís Peixoto. Tudo.
E fico por aqui. E muito já disse.
Magnífico!

Nenhum olhar, de José Luís Peixoto
Ed. Quetzal, 2000
221 págs.

6 comentários:

  1. Olá!
    José Luís Peixoto é realmente muito bom. Esse é um do livros dele que ainda não tive oportunidade de ler...
    "Livro" é soberbo.

    Boas leituras

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    1. Olá Denise,
      Obrigada pela dica. Vou comprar.
      Já decidi, este ano vou ler tudo de JLP.
      Bjs.

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  2. Esse foi o primeiro livro que li de JLP. Gosto imenso deste autor.

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    1. Olá Luisa,
      Também foi o meu primeiro.
      Demorei a encontrar-me com JLP, mas agora não vou parar.
      Bjs.

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  3. Agora que descobriste o autor já não vais descansar enquanto não leres todas as suas obras. Eheh O meu preferido continua a ser "Uma casa na escuridão". Agora tenho "Galveias" à espera de vez. ;)
    Experimenta também a sua poesia. Acredito que te vai apaixonar.
    Boas leituras!

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    1. Tens razão. Bastou a leitura de um só romance para a escrita de JLP me cativar.
      Aconteceu-me o mesmo com Saramago.
      Que bem se escreve em português!
      Já estou nas primeiras das 253 páginas de "Uma casa na escuridão".
      Obrigada pela dica da poesia.
      Bjs.

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