A solidão do Sr. José … nunca foi boa companhia, as grandes tristezas, as grandes tentações e os grandes erros resultam quase sempre de se estar só na vida…
O Sr. José é o protagonista deste romance soberbo de Saramago.
Solteiro, de meia-idade, tímido, de natureza melancólica, com medo das alturas e sofredor de insónias, o Sr. José é um cumpridor auxiliar de escrita, nunca promovido, da Conservatória Geral do Registo Civil, e vive numa pequenina vivenda modesta e rústica, mesmo ao lado da Conservatória, a única das muitas casinhas construídas para os funcionários que se mantém de pé. A casa tem duas portas: uma, exterior, que dá para a rua e outra, muito discreta, no interior, que dá para a grande nave dos arquivos da Conservatória. Dá, ou melhor, dava, pois a serventia daquela porta foi superiormente proibida ao inquilino da casa.
Mas será que a chave não roda mesmo naquela porta?
Talvez, talvez.
Talvez, talvez.
… quando chegamos a velhos e percebemos que se nos está a acabar o tempo, dá-nos para imaginar que temos na mão o remédio de todos os males do mundo e desesperamos por não nos prestarem atenção.
O Sr. José ocupa grande parte do seu tempo livre com uma invulgar colecção: notícias e fotografias de celebridades, recortadas de jornais e revistas e guardadas meticulosamente em processos individuais, divididos por dois grupos - os cem mais famosos; os que não conseguiram tanto – a que acrescenta dados pessoais copiados dos verbetes que retira do registo oficial da Conservatória, em rápidas e arriscadas andanças nocturnas.
Sendo a sua vida profissional e pessoal medíocre, monótona e muito solitária, só a colecção lhe permite penetrar na intimidade de outras pessoas, e pasme-se, famosas.
A colecção do Sr. José parece-se muito com a vida.
Mas a vida prega partidas e o Sr. José está prestes a sabê-lo, ao levar para casa o verbete de uma mulher desconhecida, agarrado aos verbetes dos famosos. É uma mulher de trinta e seis anos, e o verbete tem apenas dois averbamentos: um de casamento, outro de divórcio. Nada mais.
Quem é ela? O que faz? Onde vive?
Ele quer saber tudo sobre essa mulher. Quer conhecê-la, falar com ela. Quer saber se ela é feliz ou infeliz.
Firme nessa decisão, o Sr. José traça objectivos, esgalha estratégias, esquece as vertigens e as insónias e parte em busca da mulher misteriosa... acabando por se encontrar a si próprio.
… a pele é tudo quanto queremos que os outros vejam de nós, por baixo dela nem nós próprios conseguimos saber quem somos.
A leitura deste livro comoveu-me sobremaneira.
Nunca a imaginação, a escrita e a sensibilidade de Saramago me pareceram tão extraordinariamente grandiosas.
Este é, para mim, um dos melhores romances do mestre.
Homem, não tenhas medo, a escuridão em que estás metido aqui não é maior do que a que existe dentro do teu corpo… tens de aprender a viver com a escuridão de fora como aprendeste a viver com a escuridão de dentro.
Se você ainda não leu, corra a ler.
Fuja da solidão e ... encontre-se!
Todos os nomes, de José Saramago
Ed. Caminho, 1997
279 págs.
Excelente texto
ResponderEliminarObrigada!
EliminarAdorei este romance. Condensar o que li e o que senti num pequeno texto foi complicado.
Bom domingo.
Não digo o melhor, mas sim está tão no topo como o "Memorial do Convento". ;) Foi o primeiro que li do autor, daí me ter marcado tanto!
ResponderEliminar"Memorial do Convento" também foi o primeiro romance que eu li de Saramago. Jamais esqueci a história e penso que isso acontece com todos os que o leem.
Eliminar"Todos os nomes" está, para mim, talvez um nível abaixo, mas... é fabuloso!
Preparo-me para ler "O homem duplicado".
Bjs.
"O Homem Duplicado" também é bom, mas como tinha lido "O Duplo" de Dostoiévski, ficou algo a "saber a pouco"... Vais gostar de conhecer o Tertuliano Máximo Afonso. ;) Vais até encontrar algumas parecenças com o "Todos os Nomes".
EliminarBoas leituras!
Muito bom.
ResponderEliminarhttp://numadeletra.com/todos-os-nomes-de-jose-saramago-52624