10 julho, 2012

Poema de... Manuel Alegre

UM LIVRO
Um livro escreve-se uma vez e outra vez.
Um livro se repete. O mesmo livro.
Sempre. Ou a mesma pergunta. Ou
talvez
o não haver resposta.
Por isso um livro anda à solta sobre si mesmo
um livro o poema a prosa a frase
tensa
a escrita nunca escrita
a que não é senão o ritmo
subterrâneo
o anjo oculto o rio
o demónio azul.

Um livro. Sempre.
Um livro que se escreve e não se escreve
ou se rescreve junto
ao mesmo mar.

Um livro. Navegação por dentro
errância que não chega a nenhuma Ítaca.
Um livro se repete. Um livro
essa pergunta
incognoscível código do ser.
Metáfora de cornos e pés-de-cabra.
Um livro. Esse buscar
coisa nenhuma.
Ou só o espaço
o grande interminável espaço em branco
por onde corre o sangue a escrita a vida.
Um livro.

Poema de Manuel Alegre, Portugal (1936-)
Pintura (La bibliotheque) de Vieira da Silva, Portugal (1908-1992)

2 comentários:

  1. Leio pouca poesia, à parte um ou outro poema solto que encontre por aí. E gostei de todos os que li de Manuel Alegre, icluindo este... :)

    Obrigada pela partilha!

    Beijocas!

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Eu, lamentavelmente, também não leio muita...
      Este poema do Manuel Alegre é uma das escolhas de Diogo Freitas do Amaral n' "Os poemas da minha vida", que o jornal Público ofereceu aos leitores, em 2005.
      Bjs.

      Eliminar