Agora que foi oficialmente anunciado que Gabriel García Márquez perdeu a memória, lembrei-me de reler o seu último romance, publicado em 2004, onde as coincidências entre o escritor e o idoso personagem-narrador são evidentes.
Trata-se de uma pequena mas profunda e deliciosa história sobre a paixão e o amor na velhice, e começa assim:
No ano dos meus noventa anos quis oferecer a mim mesmo uma noite de amor louco com uma adolescente virgem.
Não se assustem, a história é lindíssima e não é sobre sexo – é sobre AMOR.
Quem a conta é um homem na idade em que cada hora é um ano.
Um homem, que aos cinquenta anos começou a notar as primeiras falhas de memória.
Um homem que vive duma reforma por quarenta anos de trabalho como inflaccionador de telegramas no El Diario de la Paz, das aulas que dá de gramática castelhana e latim, das crónicas dominicais que escreve há mais de meio século e das críticas sobre música e teatro.
Um homem que mantém desde os vinte anos um registo sobre as mulheres com quem se relacionou sexualmente, mulheres a quem sempre pagou.
O sexo é o consolo de uma pessoa quando lhe falta o amor.
Um homem que esteve para casar mas desistiu no dia da cerimónia.
Um homem que no dia do seu nonagésimo aniversário, decide viver uma nova experiência.
Estava há anos em santa paz com o meu corpo, dedicado à releitura errática dos meus clássicos e aos meus programas privados de música erudita, mas o desejo daquele dia foi tão premente que me pareceu um recado de Deus.
Então, fez um telefonema para a sua amiga Rosa Cabarcas, dona de um bordel clandestino, pediu e esperou.
Dias depois, Rosa Cabarcas anunciou: Tenho o teu presente.
A dormir, esperava-o uma menina franzina, a quem chamará Delgadina.
Naquela noite descobri o prazer inverosímil de contemplar o corpo de uma mulher adormecida sem as pressas do desejo ou dos entraves do pudor.
A dormir, e sempre a dormir, Delgadina será para ele o prazer solitário, o primeiro amor da sua vida de noventa anos.
Romance maravilhoso!
Memória das minhas putas tristes, de Gabriel García Márquez
Ed. Dom Quixote, 2005
Tradução de Maria do Carmo Abreu
114 págs.
Comecei a ler o livro há alguns anos, mas interrompi não sei porquê, e depois não o acabei. Está na hora de voltar a ele... :)
ResponderEliminarBeijocas!
Não tens desculpa. Aproveita as longas tardes de verão e... delicia-te!
EliminarBjs.
O que me fascina neste livro não é tanto a história mas sim a escrita. Lindíssima! Foi o primeiro que li dele e fiquei fascinada.
ResponderEliminarOlá Jojo,
EliminarConcordo contigo - a escrita de GGM é fenomenal.
E a releitura dos seus livros é um deleite, uma descoberta permanente de belos e mágicos pormenores.
Eu, preparo-me para vibrar de novo com "Doze contos peregrinos", publicado em 1992.
Penso que li todos os livros dele. Agora, há que reler.
Infelizmente, não teremos novas histórias...
Bjs.
Olá Teresa,
ResponderEliminarAinda não li este livro.
Estou a acabar de ler "As Aventuras de Miguel Littín clandestino no Chile" também de Garcia Marquez.
Quanto a mim, Marquez é daqueles autores que até podia escrever um livro sobre "batatas" que ficaríamos maravilhados.
Infelizmente, devido ao seu estado de saúde, não devera escrever mais.
Olá Tiago,
EliminarJá li "As aventuras....". Gostei por se tratar da reconstituição comovedora de uma história verídica.
Agora que me lembrou dela, um dia destes vou relê-la.
Infelizmente mesmo, não teremos mais histórias de GGM. Resta-nos a certeza de que sempre que relermos as muitas histórias que ele nos deixou o deslumbramento aumentará.
Tudo bom para si.
Também não o li ainda, mas não tardo a ler. Me fascina a idea deste livro em especial.
ResponderEliminarQuando eu ler, venho cá comparar minhas impressões!
o/
Olá Tauan,
EliminarÉ um livro pequenino que se lê com agrado.
Aguardo o seu comentário.
Li-o recentemente pela 2ª vez e pela 2ª vez adorei :-)
ResponderEliminarhttp://numadeletra.com/34202.html
Um abraço
Ler ou reler GGM é sempre um deleite.
EliminarAbraço e muitas e boas leituras.