- Você, Mariamar, é que vai contar histórias.
- Mas eu sou uma menina, nunca cacei, nunca irei caçar…
- Todos já caçámos, todos já fomos caçados.
Pois é, Mia Couto “caçou-me” com este excelente romance. Ou poema?
Agora, lamento nunca ter lido nada dele. Ainda vou a tempo, os livros estão todos ali, alinhados por um moçambicano cioso das histórias da sua terra.
O leão não devora apenas pessoas. Devora a nossa própria humanidade.
A história baseia-se num acontecimento real, que ocorreu no norte de Moçambique, em 2008: inesperadamente, leões penetram em áreas habitacionais e tornam-se comedores de pessoas.
O pânico apodera-se dos habitantes da região. Não percebem o que se passa e não conseguem apanhar os leões assassinos, que em poucos meses fazem vinte e seis vítimas: vinte e cinco mulheres e um homem.
Mia Couto, que na altura trabalhava na região como biólogo, assiste ao desespero daquela gente e pede a Maputo que para ali mande caçadores experientes. Mandaram dois e só ao fim de dois meses os leões foram abatidos.
Isto foi o que realmente se passou.
Agora, neste romance extraordinário, o autor mistura de forma convincente o real com o irreal e conta a história através de dois narradores/personagens, que dividem entre si os capítulos do livro:
- a versão de Mariamar, uma jovem abusada pelo pai, Genito Mpepe, e maltratada pela mãe; uma jovem que aprendeu a ler com os animais; uma leoa que fez da palavra a sua arma, numa terra onde uma mulher… não é ninguém. Mariamar tem um sonho – viajar para a cidade e encontrar o homem que caçou o seu coração há dezasseis anos atrás.
- e o diário de Arcanjo Baleio, o estranho caçador (caçado) que foge da amada Luzilia, a cunhada, para fazer a sua última caçada, numa região onde já estivera há dezasseis anos atrás.
Sou caçador, sei o que é perseguir uma presa. Toda a minha vida, porém, fui eu o perseguido,
Tudo se passa na aldeia de Kulumani, um lugar onde vivem os pobres e os donos da pobreza, onde não há polícia, não há governo, e mesmo Deus só há às vezes.
A guerra passou por Kulumani e deixou um rasto de extrema miséria. Ali, a fome, o misticismo e a feitiçaria transformam os homens em bichos e os bichos em homens. Ali, a espingarda usa-se para caçar os fazedores de leões.
Para fazer a reportagem da caçada, chega com Baleio o jornalista/escritor Gustavo Regalo, o homem branco que odeia a caça, mas quer falar com testemunhas sobre os ataques dos leões, ouvir relatos sobre a guerra civil e… ver Baleio matar os comedores de pessoas.
Os aldeões olham-no com estranheza e colocam-lhe a pergunta chave deste romance:
Querem saber como morremos? Mas nunca ninguém veio saber como vivemos.
Eu acreditei a cem por cento nesta história – um hino à mulher moçambicana - narrada com a mestria dos que sabem "batucar" com as palavras e criar personagens convincentes e inesquecíveis.
Que bem escreve este fazedor de palavras.
A confissão da leoa, de Mia Couto
Editorial Caminho, 2012
270 págs.
Mia Couto é outro daqueles escritores de que nunca li nada. Nem sei bem porquê, pois digo sempre que vou comprar um livro dele, acabo por escolher outro e lá fica o Mia Couto para depois.
ResponderEliminarA ver se mudo isso.
Boas leituras
Olá Patrícia,
EliminarComigo aconteceu o mesmo, até que caçei esta leoa.
Adorei o livro.
Compra, lê e... ficarás "apanhada" pelo autor.
Bjs.
Mia Couto é um verdadeiro contador de histórias. Quanto mais leio os livros dele, mais apaixonada fico pelas suas estórias.
ResponderEliminarEste ainda não li.
Olá!
EliminarConcordo contigo. Eu fiquei apanhadinha!!!
Lê este que vais gostar.
Bjs.
Este livro do Mia Couto ainda não conhecia.Mais um para a minha lista de leituras.
ResponderEliminarLi à pouco tempo a Varanda do Frangipani e gostei imenso. Acho-o muito poético e com muita sensibilidade. No entanto não é toda a gente que gosta das suas histórias.
Bjinhos
Olá Landa,
EliminarEste foi o meu primeiro Mia Couto. Gostei muito e vou continuar a lê-lo, apesar de não achar muita graça às "palavras inventadas" que, sei, aparecem em obras anteriores.
Tomei nota do que referes acerca d' "A varanda do Frangipani".
Bjs.
Um bom livro, mas ainda prefiro Um rio chamado tempo, uma casa chamada terra;
ResponderEliminarOlá Tiago,
EliminarNão conheço este livro mas vou procurá-lo. Gostei do título...