“Cada vez mais se ouve pais hesitantes do seu papel que perguntam se a tarefa que lhes cabe é a de serem pais para os seus filhos ou simplesmente grandes amigos. Tornarem-se amigos dos filhos, vencendo a distância simbólica que a parentalidade estabelece, aparece hoje a mães e a pais como uma solução tentadora que os colocaria melhor na órbita existencial dos filhos, cúmplices das etapas que estes percorrem, confidentes privilegiados das suas vivências e, desse modo, com maior capacidade de influenciar e de intervir. Será verdade? (…)
Os pais precisam aceitar que cada filho é uma vida distinta e autónoma, ao mesmo tempo gerada por eles e inacessível, à maneira de um segredo que protegem mas cujo conteúdo está destinado a escapar-lhes. (…)
A tarefa da vida dos filhos é fazerem-se criativos herdeiros de um dom recebido que também eles não entendem até ao fim ou não entendem logo. Ora, ser herdeiro não significa apenas receber a parte de bens que lhe corresponde, mas construir em diálogo com essa vida recebida uma identidade original. (…)
Mas uma função inalienável dos pais é recordar que a vida humana é fundada em limites e sinalizá-los. Precisamente o contrário da promessa consumista das nossas sociedades, onde tudo aparece pronto para ser adquirido, devorado e esquecido.”
Excerto da crónica “Pais ou amigos dos filhos?”, de José Tolentino Mendonça (presbítero e poeta português, n. 1965), publicada na “E”, revista do jornal Expresso de 27 Maio 2017
Vale a pena ler na íntegra.
Pintura “A sagrada família do passarinho”, do espanhol Bartolomé Murillo (1617-82)