15 fevereiro, 2014

O dia dos namorados já passou, mas...

… não consigo deixar de reproduzir o que li ontem, já altas horas, e me lembrou que “devemos celebrar o amor, todos os dias”:
 
“Vivemos uma vida normal, verdadeira, e no entanto – e por isso – temos aspirações. Terráqueos, conseguimos às vezes chegar tão longe como os deuses. Alguns elevam-se com a arte, outros com a religião; a maioria com o amor. Mas quando subimos também podemos despenhar-nos. Há poucas aterragens suaves.
Todas as histórias de amor são potenciais histórias de dor. Se não no princípio, depois. Se não para um, para o outro. Às vezes para ambos.
 
Estão por que aspiramos continuamente a amar?
Porque o amor é o ponto onde se encontram a verdade e a magia.”

Em “Os Níveis da Vida”, de Julian Barnes.

14 fevereiro, 2014

"O relatório de Brodeck" - Philippe Claudel

Os homens são estranhos. Cometem as piores atrocidades sem se interrogarem, mas depois não são capazes de viver com a recordação do que fizeram.
Depois de ler “Almas Cinzentas” e “A neta do Sr. Linh” – ambos sublimes e inesquecíveis – voltei ao escritor que sabe, como nenhum outro, criar personagens credíveis e colocá-las nos mais belos ambientes bucólicos. E sempre, num lugar e tempo indefinidos, para que possamos dar asas à imaginação, com as dicas que vai deixando aqui e ali.
É o caso deste romance, salpicado de referências à Segunda Guerra Mundial, e cuja acção decorre na…
Não sei!
Mas isso não interessa nada, quando ficamos presos a um romance com uma trama muito bem pensada, espantosamente bem escrito, brilhante e viciante, que começa assim:
Chamo-me Brodeck e não tive culpa de nada.
Insisto em dizê-lo. Quero que toda a gente o saiba.
Brodeck é dos personagens mais reais que "conheci" na ficção. Por momentos, deixei de ler Philippe Claudel e passei a ouvir Brodeck, o escrivão de uma aldeia perdida em inóspitas montanhas, que elabora relatórios para a Administração, sobre o estado da flora, das árvores, das estações e da caça, da neve e das chuvas.
A vida fluía calma na pequena aldeia, até ao malogrado dia em que a guerra ali chegou e tudo mudou.
Enquanto alguns habitantes tentavam agradar ao invasor, Brodeck reagia com passividade e, por isso, foi deportado para um campo de concentração.
Mas a guerra terminou e o Cão Brodeck  (assim era  tratado pelos guardas) regressou a casa.
E regressou ao seu trabalho de escrivão, com a concordância de todos os habitantes, que assim expiavam a culpa do colaboracionismo com o inimigo.
Brodeck está diferente, isola-se, faz grandes passeios e  não procura a companhia dos homens da aldeia, que têm a cabeça cheia de selvajaria e de imagens de sangue. Homens tolos, falsos puritanos, que cometerão o pior dos crimes sobre um estrangeiro que escolheu aquela aldeia para viver, um homem cordial e educado, que ocupa o tempo em longas e solitárias caminhadas, e a retratar a aldeia e os seus habitantes.
Habitantes que não gostam dos seus modos estranhos, muito menos de se verem retratados por ele, e o matam, perante a passividade das autoridades.
Autoridades, que ordenam ao escrivão que elabore um relatório oficial que branqueie o crime, sem procurar o que não existe, ou já não existe.
Brodeck aceita, contrariado e amedrontado.
À medida que elabora o relatório oficial – sempre espiado, cercado, vigiado - Brodeck escreve outro com a sua versão da verdade, onde cruza a história daquele homem misterioso - De Anderer – o Outro (nunca lhe perguntaram o nome e ele falava pouco, muito pouco), com a sua própria história de vida. E desvenda segredos, segredos sombrios, escondidos em cada pessoa, pedra, casa, rua, árvore, daquela aldeia, onde não há inocentes.
Aldeia que um dia ele também escolheu para viver. Só que nesse tempo, ninguém tinha medo de estrangeiros e foi bem recebido. Agora, o medo transformava os homens. Na verdade, Brodeck sabia-o. Aprendeu no campo de concentração.
Sabia-o quando escutou as palavras sábias do velho que encontrou no caminho: ... às vezes é preferível não voltarmos à terra de onde partimos. Lembramo-nos do que deixámos, mas nunca se sabe o que iremos encontrar, sobretudo quando os homens foram atingidos por uma loucura duradoura. Ainda é jovem… Pense no que lhe digo.
Mesmo assim, Brodeck voltou.
Mas depois pensou, e...
Chamo-me Brodeck e não tive culpa de nada.
O meu nome é Brodeck.
Brodeck.
Por favor, lembrem-se.
Brodeck.
Eu não esquecerei.
Fabuloso!
 
O relatório de Brodeck, de Philippe Claudel
Tradução de Isabel St. Aubyn
Ed. ASA, 2009
256 págs.

07 fevereiro, 2014

6º - Você sabe em que livro se esconde este “primeiro parágrafo"?

Um dia li um livro e toda a minha vida mudou. Desde a primeira página, sofri com tanta força o poder do livro que senti o meu corpo apartado da cadeira e da mesa a que me sentava.“

Resposta do 5º “primeiro parágrafo”:
Em “Ravelstein”, de Saul Bellow, ed.Teorema, 2001

31 janeiro, 2014

"Todo o anjo é terrível" - Susanna Tamaro

Que sórdida tolice pensar que os laços ditados pelo sangue são os mais importantes!
Cativou-me esta surpreendente história de vida, relatada minuciosamente neste livro de memórias intimista, corajoso, intenso.
Fiquei a saber, que Susanna Tamaro nasceu numa cidade assombrada pelos fumos da História, o fumo do ódio racial, do ódio étnico, o fumo dos milhões de vidas sacrificados para restituir a cidade à Itália durante a Primeira Guerra Mundial, o fumo da desilusão.
Fiquei a saber, que os pais eram muito jovens e ausentes, e que cresceu num tempo em que não era hábito dar muita importância às crianças, num ambiente de não-amor, não-harmonia, silêncios, sofrimento - sofrimento humano, antes de mais, e depois criativo.
Fiquei a saber, que foi uma criança deprimida, ansiosa, que à noite não dormia a pensar na morte, e de dia chorava pelo poço de solidão dolorosa em que estava afundada.
Fiquei ainda a saber quase tudo sobre o irmão, os pais, os avós.
Como é evidente, não há só memórias tristes e sofridas, neste livro da menina que encontrou nas ciências naturais a âncora que a salvou do mundo descontrolado em que crescia, da adulta que nos dá a ler histórias emocionantes, perturbadoras, inesquecíveis. Há, também, recordações de muito amor, amizade, companheirismo, descoberta, alegria, diversão. Enfim, muitas histórias “dentro” da História.

O que sabemos realmente daquilo que se transmite, através dos genes, de uma geração para a outra?
Muito? Pouco? Nada?
Vai ter de ler para saber o que escreveu ela, na página 45.
 
Todo o anjo é terrível, de Susanna Tamaro
Tradução de Maria das Mercês Peixoto
Ed. Presença, 2013
219 págs.

24 janeiro, 2014

"Poesia completa" - Miguel Torga

E eis que num só livro foram reunidos todos os poemas de Miguel Torga.
Miguel Torga, pseudónimo de Adolfo Correia da Rocha, nasceu a 12 de Agosto de 1907, em São Martinho de Anta, Trás-os-Montes. Faleceu a 17 de Janeiro de 1995, em Coimbra, onde se licenciou em Medicina.
Considerado um dos grandes escritores portugueses contemporâneos, foi distinguido com vários prémios, nomeadamente com o Prémio Camões em 1989.
A sua obra está traduzida em diversas línguas.
 
Cântico
Mundo à nossa medida,
Redondo como os olhos,
E como eles, também,
A receber de fora
A luz e a sombra, consoante a hora.
 
Mundo apenas pretexto
Doutros mundos.
Base de onde levanta
A inquietação,
Cansada da uniforme rotação
Do dia a dia.
 
Mundo que a fantasia
Desfigura,
A vê-lo cada vez de mais altura.
Mundo do mesmo barro
De que somos feitos.
Carne da nossa carne
Apodrecida.
Mundo que o tempo gasta e arrefece,
Mas único jardim que se conhece
Onde floresce a vida.
 
Muito bom!
Com tantos, tantos poemas, pretendo ler um por dia ao longo deste ano.
Viva a poesia portuguesa!!
 
Poesia completa, de Miguel Torga
Ed. Dom Quixote, 2000
965 págs.

17 janeiro, 2014

"Contos escolhidos" - Carson McCullers

Se tivesse adivinhado o futuro, talvez agisse de outra maneira. (Sucker)
Depois de ler os contos reunidos neste livro, posso continuar a bradar aos quatro ventos, o quanto me encantam as pequenas histórias. Comprei-o por ser de contos, apenas por isso. Desconhecia, por completo, a obra de Carson McCullers (1917-67), a norte americana que trocou a música pela escrita, quando, aos quinze anos, lhe foi diagnosticada uma doença reumática grave.
Teve uma vida atribulada, esta contista. Vejamos:
Aos dez anos, Lula Carson Smith, o seu nome de baptismo, iniciou o estudo de piano.
Aos quinze, uma febre reumática afastou-a das aulas e foi durante a recuperação que descobriu o gosto pela escrita. Optou pelos contos e aos dezassete anos publicou o primeiro -“Sucker”.
Aos vinte, casou com Reeves McCullers. Foi uma relação conturbada, com muito ciúme, depressões, traições, álcool e tentativas de suicídio. Divorciaram-se e, mais tarde, voltaram a casar.
Carson é reconhecida no mundo literário, e não sabe lidar com o sucesso “sendo demasiado jovem para compreender o que me estava a acontecer ou a responsabilidade que implicava. Senti uma espécie de terror sagrado. Foi isso que, combinado com a minha doença, cedo me destruiu”.
Aos trinta e um, o lado esquerdo do seu corpo paralisou. Tentou o suicídio. Anos mais tarde, o marido propõe que se suicidem juntos. Ela não o faz. Ele morre sozinho.
Aos quarenta e cinco anos, sofre mais um golpe, quando lhe é diagnosticado cancro de mama.
Morre aos cinquenta anos, depois de 46 dias em coma.
Com uma vida tão cheia de episódios traumáticos, foi fácil ela encontrar tema para muitas histórias. A doença, o alcoolismo, o suicídio, a morte, os conflitos familiares, o trauma da adolescência, a desilusão, o fracasso… aparecem nas suas histórias de vida, pequenas, passadas em períodos de tempo curtos, bem concebidas e muito bem escritas.
Das doze histórias desta colectânea, destaco:
Wunderkind
O drama da jovem Frances, um prodígio ao piano, incapaz de lidar com os problemas da adolescência e as elevadas expectativas que depositam na sua carreira musical.
Após anos de estudo, algo de estranho começou a acontecer, as notas saíam como uma entoação falsa, morta.
Um dilema doméstico
Martin ama e odeia a mulher, prisioneira da tristeza rítmica do álcool.
Gerindo uma confusão de sentimentos, ele mantém a união familiar, garante a segurança dos filhos, enfrenta a vergonha e a humilhação dos amigos e colegas.
O rapazinho assombrado
Nesta história encantadora, o tema é o suicídio.
… aconteceu uma coisa estranha à minha mãe e depois disso ela ficou triste.
Hugh, o rapazinho, entra em pânico sempre que chega da escola e não encontra a mãe. Não esquece o que viu da “outra vez”.
Quem viu o vento?
My love, my love, my love, why have you left me alone?
Depois do sucesso do primeiro livro, Ken Harris vive o falhanço absoluto do segundo.
Incapaz de lidar com o fracasso, segue-se a desilusão, o álcool, a separação da mulher amada, a solidão, o medo e a ansiedade de uma página em branco na máquina de escrever.
O destino de Ken era incontrolável como o vento invisível.
Gostei!
Contos escolhidos, de Carson McCullers
Ed. Relógio de água, 2012
Selecção e tradução de Ana Teresa Pereira
162 págs.

10 janeiro, 2014

"Pequenos passos para mudar a sua vida" - Bill O'Hanlon

Na vida, quando nos sentimos perdidos, começamos muitas vezes a ver as coisas da mesma forma, repetidamente, ou seja, perdemos a criatividade na abordagem do problema.
Como me sinto perdida, decidi escolher um livro de auto-ajuda para primeira leitura de 2014.
Não é que as coisas estejam complicadas, estão estranhas. E eu não gosto.
Pensei, pensei, pensei e decidi reatar o controlo da minha vida e das minhas emoções, colorir o meu dia-a-dia, ultrapassar obstáculos, mudar o foco dos problemas, exorcizar fantasmas, assumir erros e falhanços.
Enfim, deu-me para isto…
Desfolhei, desfolhei e encontrei neste livro uma estratégia diferente, simples, rápida e divertida, orientada para a solução de problemas, problemas que teimam em complicar-me a vida.
São dez capítulos, dez problemas, dez soluções, numa abordagem que sugere:… concentração no futuro que gostaria de ter em vez de no passado ou no presente, de que não gosta.
Voltarei a este tema, lá para o final do ano, para confessar se consegui mudar a minha vida.
Entretanto… deixe cair as lágrimas, porque estas permitem saber que está vivo.
Eu deixo!
 
Pequenos passos para mudar a sua vida, de Bill O’Hanlon
Ed. Casa das Letras, 2008
Tradução de Luzia Almeida
219 págs.

03 janeiro, 2014

5º - Você sabe em que livro se esconde este "Primeiro parágrafo"?

É curioso que os beneméritos da humanidade sejam pessoas divertidas. Pelo menos na América é com frequência este o caso. Quem quiser governar o país tem também de o entreter.”
 
Resposta do 4º “Primeiro parágrafo”:
Em “Paris nunca se acaba”, de Enrique Vila-Matas, ed. Teorema, 2005