05 junho, 2020

"Contos escolhidos" - Fernando Pessoa

A alma da gente é uma cousa suja e o que vale é que a alma não tem cheiro.
(Conto: "Maridos")
Este livro reúne dez contos escritos em diferentes épocas da vida de Fernando Pessoa, e são marcados por "longos argumentos filosóficos-metafísicos sobre o Universo, sobre o Desconhecido, sobre as diferentes dimensões da realidade e sobre a percepção que dela recebemos através das mensagens dos sentidos, sobre as experiências da despersonalização provocadas por alterações do estado de consciência». (Calma, não se assuste,  a escrita magistral do poeta fingidor agarra e encanta da primeira à última página.)
São eles:
- A very original dinner /Um jantar muito original (versão bilingue)
- A estrada do esquecimento
- O peregrino
- A hora do diabo
- O banqueiro anarquista
- Um grande português 
- Maridos
- O adiador
- A carta da corcunda para o serralheiro
- A caçada
Destaco (por razão nenhuma) três contos:
"A estrada do esquecimento" - um pequenino conto datado de 1914, altura do início da Grande Guerra. Descreve a cavalgada de um grupo de homens numa escuridão terrível.
«A noite estava ilegível. Não se via céu nem terra - só escuridão. Nem mesmo podia haver pelos sentidos a convicção de que havia céu e terra, a escuridão tirava-lhes os lugares. Só havia escuridão, sem forma, lugar ou fundo. (...) O meu terror crescia ... toda esta cavalgada de muitos era uma solidão humana. Lembrei-me de repente que tudo isto era eu querer recordar o meu passado. Mas o meu passado não era senão uma escuridão imensa.  
Tremia de terror (...) Pensei em cantar, mas tremia (...) Pensei em gritar, mas lembrei-me, que o meu grito podia, em vez de sair para fora, para a escuridão, soar para dentro, para o meu pensamento, e matá-lo de terror. Quis rezar (...)
"O peregrino" - datado de 1917, um conto de carácter esotérico, a iniciação de um percurso iniciático.
«Do quanto passei e vi nada posso ensinar-te senão dizer-te o que vi e o que passei. E do que me disseram, o quanto que posso ensinar-te é o pouco que posso dizer-te, que foi o que me disseram: Não fites a Estrada: segue-a até ao fim.
"A hora do diabo" - um conto de carácter metafísico-esotérico, um diálogo entre uma mulher e o Diabo.
«Sou o mestre lunar de todos os sonhos, o músico solene de todos os silêncios. Sou o eterno Diferente, o eterno Adiado, o Supérfluo do Abismo. Sou o Deus dos mundos que foram antes do Mundo.
«... As minhas melhores criações - o luar e a ironia.»
«Não são coisas muito parecidas...»
«Não, porque eu não sou parecido comigo mesmo. É por isso que sou o Diabo. Esse vício é a minha virtude.»
Fui sempre mais ou menos lúcido. Sentia-me revoltado. Quis perceber a minha revolta. Tornei-me anarquista consciente e convicto - o anarquista consciente e convicto que hoje sou.
(Conto: "O banqueiro anarquista") - Quem não conhece?!

Comprei este livro na Feira do Livro de Lisboa, em 2017.
Como gosto de pequenas histórias, coloquei de lado o romance que estava a ler na altura e logo iniciei a leitura destes "Contos escolhidos". Terminada a leitura, o livro foi para a pilha dos livros lidos que aguardam a entrada no Rol. E lá ficou... e ficou... e ficou... A pilha foi crescendo, e eu acabei por «perder o  Fernando Pessoa de vista». Achei-o agora. Ao livro, claro!
Ache-o também, numa livraria, e leia!

Contos escolhidos, de Fernando Pessoa
Edição de Ana Maria Freitas e Fernando Cabral Martins
Assírio & Alvim (Porto Editora), 2016
229 págs.

14 comentários:

  1. Muito bom! E gostei das tuas escolhas! beijos, lindo fds!@ chica

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  2. Acredito que seja um livro fascinante de ler.
    .
    Saudações poéticas
    Feliz fim de semana

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  3. Destes contos do Fernando Pessoa, Li "Um jantar muito original" e "O banqueiro anarquista". Imagino que os outros serão excelentes como tudo o que escreveu este nosso Fernando Pessoa.
    Um bom fim de semana minha Amiga Teresa.
    Um beijo.

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  4. Nem sei o que dizer, querida Amiga Teresa!!!! Estás muito " posteira" ( com certeza não existe esta palavra ) , de tal maneira que não consigo acompanhar-te; eu estou ao contrário, a postar muito pouco e nem te sei dizer o motivo. Durante o confinamento fiz só parte das coisas a que me propus e, apesar de continuar a sair muito pouco, só consegui ler um livro; imagina...tanto tempo livre e as coisas por fazer, os amigos por visitar e o começar de novo " quase parando " Bem, preparava-me eu para escrever sobre a inveja e deparo-me com novo post sobre Fernando Pessoa o que me facilita bastante, pois o tema anterior, só de lembrar já me causa arrepio...já me atingiu a tal da inveja e custou-me muito a perceber que as atitudes de determinadas pessoas eram provocadas por esse terrivel sentimento, apesar de ter sido avisada ; o assunto deste post é muito mais fácil; como não podia deixar de ser, à pergunta que fazes, respondo que não conheço. Não li nenhum desses contos e, como
    tenho uma pilha de livros à minha espera, com certeza não procurarei este tão cedo. Também gosto de contos pequenos, Teresa, mas, do jeito que a tua Amiga anda, nem pequenos, nem grandes...nadinha! Vai passar, espero! Um abraço apertadinho, apertadinho, cheio de beijinhos
    Emilia

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    1. Muito posteira, eu?! Duas vezes por semana, o habitual.
      Tenho publicado mais livros, mas não porque ande a ler mais apenas porque me cansei de ver a pilha de livros lidos a crescer desmesuradamente ao lado do computador.
      Ler dois livros por mês me basta. Três, no máximo,se forem «magrinhos».
      Ando preguiçosa... Sempre é melhor que invejosa...
      O meu problema, para o qual não encontro solução, são as visitas a amigos bloguistas: sou um zero a gerir tudo isso.
      Amiga Emília, o que se está a passar contigo, passa-se comigo e certamente com meio mundo mais: confinados, consternados, desatinados, desencantados. Vai passar, claro que vai! E, como diz a canção do nosso açoriano, «vai ficar tudo bem"!
      Beijoquinhas para a pequenina, abracinhos apertadinhos para ti, querida amiga.

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  5. Bom dia de sábado, querida amiga Teresa!
    Primeiro post que leio hoje...
    Gostei do Peregrino... A estrada é longa, mas precisamos caminhar... Sempre, amiga.
    Estou gostando das postagens aqui, muito me enriquecem, querida.
    Estou mais concentrada nos escritores brasileiros neste ano.
    Estive na estátua de Pessoa com amigas daí e lá fotografamos. Que bela lembrança!
    Tenha um abençoado final de semana!
    Bjm carinhoso e fraterno de paz e bem

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    1. Um dia, também estaremos nós junto à estátua de Pessoa.
      Prometido!
      Beijo carinhoso, fim-de-semana abençoado.

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  6. Também não li os contos de Pessoa. E gosto de ler contos. Mas também me agradam aqueles livros imensos estilo Guerra e paz. Este ano pensara comprar um desses na Feira do Livro de Lisboa. Mas não vai haver. Terei de fazer uma encomenda pela net que me falta a pachorra para filas à porta e máscaras e o sei lá.
    Continuação de bom fim de semana, Teresa.

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  7. Também gosto de pequenas histórias, nada que me faça estar horas seguidas agarrado a um livro !
    Obrigado pela sugestão Teresa

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  8. Oi Teresa, as pitadas já parecem bem interessantes, gostei muito da dica!
    Muitas vezes os livros entram na hora certa na vida das pessoas.
    Abraço!

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  9. Ele sim o verdadeiro espírito desassossegado.
    Beijo, boa semana

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  10. Este livro faz parte da minha biblioteca!!! Bj

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