09 fevereiro, 2018

"O escritor fantasma" - Philip Roth

Quando admiramos um escritor, tornamo-nos curiosos. Vamos à procura do seu segredo.
“Era a última hora de luz de uma tarde de dezembro, há mais de vinte anos – eu tinha vinte e três anos, estava a escrever e a publicar os meus primeiros contos e, tal como tantos heróis do Bildungsroman antes de mim, já pensava no meu próprio e volumoso Bildungsroman – quando cheguei ao refúgio do grande homem que ia visitar…”
Começa assim este excelente romance sobre as tensões entre a literatura e a vida.
O narrador é Nathan Zuckerman, problemático e ambicioso ficcionista judeu, alter-ego do ficcionista judeu e genial contador de histórias Philip Roth (n.1933) em nove hilariantes romances. “O escritor fantasma" (1979) marca o  aparecimento de Zuckerman, “O fantasma sai de cena “(2007) o seu desaparecimento.
O grande homem “é Emanuel Isidore Lonoff, consagrado contista, ídolo e mestre literário de Zuckerman desde os tempos da faculdade. O grande Lonoff, filho de judeus, que no auge da carreira literária, desiludido com as acusações dos judeus de New York personalidades intelectuais aterradoras, troca a civilização pelo isolamento na montanha. Em Dezembro de 1956, trinta anos depois dessa fuga nunca explicada, o “ermita rural” convida o escritor desconhecido (que lhe fez chegar quatro contos publicados em revistas literárias) para um serão na sua casa.
Pureza. Serenidade. Simplicidade. Reclusão. Toda a concentração, exuberância e originalidade de uma pessoa reservada para a vocação transcendente, extenuante, sublime. Olhei em volta e pensei: é assim que quero viver.
Depois de olhar melhor, Zuckerman encontra um homem envelhecido, austero, entediado, autocrítico, desencantado, conformado a uma existência onde nada acontece: Dou voltas às frases. A minha vida é isso. Escrevo uma frase e dou-lhe uma volta. Depois olho para ela e dou-lhe mais uma volta. Depois vou almoçar. Depois volto e escrevo mais uma frase. Depois leio e releio as duas frases e dou-lhes uma volta. Depois deito-me no sofá a pensar. Depois levanto-me e atiro-as fora e volto ao princípio. E, se descanso desta rotina durante um dia que seja, fico louco de tédio e a achar que foi um desperdício….
Zuckerman não se decepciona. Ainda espantado com o convite, tímido, ansioso, curioso, desejoso de tudo ver, tudo saber sobre o mestre, desejoso do seu reconhecimento, patrocínio moral e protecção mágica de apoio e amor, quer aprender com ele a escrever contos, contos sobre judeus, que evitem problemas com os judeus de Newark e com o seu pai podólogo e não artista, que tenta demovê-lo de publicar um conto que tem por base uma disputa familiar antiga que, segundo ele, expõe ao ridículo membros da família e será visto apenas como mais um conto sobre os malditos judeus e o seu amor ao dinheiro.
Na noite que passa em casa do mestre e da senhora Hope Lonoff,  Zuckerman conhece Amy Bellette, uma jovem fascinante de nacionalidade indefinida, antiga pupila de Lonoff (ou amante com metade da sua idade?), com uma vida de ilusão que a consome e um passado que a marcou na alma: sabes porque é que adotei este nome tão doce? Não foi para me proteger das minhas memórias. Não foi para esconder o passado de mim nem para me esconder do passado. Foi para me esconder do ódio, de odiar as pessoas como as pessoas odeiam as aranhas e os ratos.
(Amy Bellete volta a aparecer no romance “O fantasma sai de cena”).

Escusado será dizer que pouco devo/posso desvendar sobre o casal Lonoff, sobre o conto de Zuckerman, sobre o passado de Amy. Leia, divirta-se, espante-se com a imaginação e a escrita do meu escritor preferido. (Está velhinho o «meu» Philip Roth!)
Ponto final, parágrafo.

O escritor fantasma, de Philip Roth,
Tradução de Francisco Agarez
Ed. D. Quixote, 2017
188 págs.

9 comentários:

  1. Preciso estrear-me. Nunca li.

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    1. Luisa, estreia-te rapidamente. Philip Roth é fenomenal!!
      Não comeces por este romance. Escolhe outro na longa lista que tenho do autor no "roldeleituras". Prepara-te pois a sua escrita é viciante.
      Beijo e boa semana.

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  2. Parece ser um excelente livro, obrigado pela dica.
    Bom fim de semana
    Beijinhos
    Maria de
    Divagar Sobre Tudo um Pouco

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  3. Oi Teresa, gostei do Zuckerman, homem açúcar, creio, pois escrevia maravilhosamente bem e era louco. Se fosse são da cachola, talvez escrevesse mal. São os talentos que não há explicação. Bela postagem! Parabéns! Grande abraço e bom carnaval! Laerte.

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    1. Olá, Laerte!
      Sou louquinha por Philip Roth, logo, igualmente louquinha pelas histórias atribuladas-hilariantes do "homem açúcar/louco" (palavras suas) Nathan Zuckerman.
      Laerte, se ainda não leu "O fantasma sai de cena" leia. Lá encontrará um Zuckerman, no seu melhor.

      Odeio o Carnaval!
      Abraço e boa semana.

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  4. Nunca tinha ouvido falar!!!
    Bj amigo

    Florbela Espanca … em belo poema ao SOL POENTE:
    https://mgpl1957.blogspot.pt/2018/02/sol-poente-de-florbela-espanca.html

    Artes com o coração … criatividade e bom gosto está de parabéns:
    https://asarteiricesdagracinha.blogspot.pt/2018/02/artes-de-coracao.html

    Vejam como bacalhau e ervilhas combinam na perfeição:
    https://ospetiscosdagracinha.blogspot.pt/2018/02/bacalhau-com-ervilhas.html

    E os meus passeios de fim-de-semana … tem sido por Coimbra:
    https://crocheteandomomentos.blogspot.pt/2018/02/passeio-de-um-domingo.html

    Para si que seja uma semana bem divertida!!!

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  5. Tenho alguns livros de Philip Roth de quem sou admiradora, mas não tenho este. Tenho que o ler também. Obrigada pela sugestão.
    Uma boa semana.
    Um beijo.

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    1. Olá, Graça!
      Para mim este não é dos melhores romances de Philip Roth. Também, o que poderia esperar dum "Nathan Zuckerman em início de carreira literária"?! Nos romances seguintes acabará por surpreender. De que maneira!
      Beijo e boa semana.

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