26 setembro, 2017

Vale a pena ler... José Tolentino Mendonça


Há um provérbio norte-americano que diz «Ser velho não é divertido». É uma verdade. Ser velho é ter de começar do zero a qualquer momento, e fazê-lo muitas vezes, constrangido a reaprender coisas básicas que inclusive se ensinaram aos outros a vida toda. Coisas simples (e inacreditavelmente complexas como andar, organizar o seu espaço, cuidar da alimentação, sair de casa, comunicar. Um dia acorda-se e nada disse é óbvio como antes era. Ser velho é fazer o que se fazia, mas muito mais devagar, segmentando por etapas, doseando o esforço desmesurado que atividades mínimas agora obrigam. Ser velho é desistir muitas vezes, tombando de uma angústia que as palavras já não exprimem; é as lágrimas correrem dos olhos, não por pieguice, mas porque nenhuma esperança as sustém; e, ao mesmo tempo, ter a teimosia inexplicável de recomeçar quando já não parece possível. Ser velho é, no extremo da fragilidade, mostrar que se tem sete vidas. Ser velho é aceitar o presente, sentindo rondar a imprevisibilidade muito perto, e sabiamente rir-se disso. Ser velho é fazer mais com menos: saber que só se pode contar com a força de uma das mãos ou com o apoio de um dos lados, e mesmo assim insistir e continuar. Ser velho é compreender o valor das migalhas, que foram sempre o nosso grande alimento sem que nos déssemos conta. Ser velho é lutar para estabelecer uma conversa com um quinto do vocabulário, ainda assim entrecortada por hesitações e esquecimentos, mas com os olhos a falarem cinquenta vezes mais, para quem os souber ouvir. Ser velho é sentir-se transferido para o interior de uma casa alheia e grande, desejando unicamente não se perder. Ser velho é não contar com ninguém a certas horas – horas longas que parecem não ter fim – procurando manter vivo, dentro dessa total incerteza, o inapagável fio do amor.

Sim, o provérbio tem razão. Mas há uma coisa que ele não diz: que ser velho é também um milagre. Na verdade, torna-se urgente vulgarizar um verbo que os dicionários não trazem e que os velhos conjugam continuamente, o verbo milagrar. (…) Os velhos milagram. Eles são responsáveis pelo incessante prodígio que é a vida.


Excerto da crónica “O verbo milagrar”, de José Tolentino Mendonça (presbítero e poeta português, n. 1965), publicada na “E”, revista do jornal Expresso de 26 Agosto 2017
Vale a pena ler na íntegra.

(Foto da net)

7 comentários:

  1. Ser velho não é nada divertido ... também concordo!
    Vi meus pais a envelhecer e tentei entender os seus sentimentos em relação à velhice!
    Bj e gosto da reflexão

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  2. Olá, Teresa!
    Não conheço a obra de Tolentino Mendonça, mas o que sei é que a velhice tem várias nuances, que podem ser interpretadas. No bairro onde moro a longevidade está presente nas ruas, praças nos restaurantes, etc. O que sei é que a pessoa idosa não é "um jeito de ser", pois os velhos são muito diferentes uns dos outros, pois o estado físico e mental depende muito da idade (quem tem 60 anos é diferente de quem tem 90 ou mais), do modo de vida que teve, da genética, e muito mais. O certo é que o tema é bom para ser estudado, como merece.
    Um abraço.
    Pedro

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  3. Li na íntegra e gostei sobremaneira do espírito observador e das palavras sábias do Professor.
    Grata pelos bons momentos de leitura...
    Foi uma ótima opção.
    Beijos, estimada amiga.
    ~~~

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  4. Muito bom!!! Que tema ótimo para falar, Teresa.Não conheço o escritor, mas independente da idade que se tem, pode ser 90, 100 - como temos várias aqui no prédio, coloco para alguns a frase do texto:
    "Ser velho é aceitar o presente, sentindo rondar a imprevisibilidade muito perto, e sabiamente rir-se disso." Perfeito, esse é o ideal para chegarmos à uma velhice bem.
    Porém, alguns ficam na solidão, nas recordações "procurando manter vivo, dentro dessa total incerteza, o inapagável fio do amor."
    A solidão deve ser algo terrível. Conheço algumas pessoas com 95 que estão bem! Conversam sobre tudo. Mas a longevidade que tanto esperamos ainda não garante aos velhos uma boa saúde - vivem bastantes mas dependentes totalmente. Isso acho complicado no sentido de precisarem 'cuidadoras', o que já tira um certo sabor de suas vidas. Penso numa longevidade com saúde. Gostaria de chegar aos 100, mas não muito demolida. As nossas 'mutações' nos preocupam um pouco, certamente. E eu penso nisso.
    Beijo!!

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  5. Vale a pena, si, Teresa! Na ultima vez que fui ao Brasil levei um livro dele para a minha mãe ler; ela tem 87 anos e com custo, tenta a cada dia conjugar o " verbo milagrar ". Não foi este que lhe levei, pois não o conhecia, mas vou tentar lê-lo. Obrigada, Teresa pela dica. E preciso que comecemos já a aprender esse verbo, não achas? Boa noite, amiga. Beijinhos
    Emília

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    Respostas
    1. Olá Emília!
      É tão lindo esse teu amor pela tua mãe!
      Livros de JTM não tenho mas as crónica semanais devoro-as todas.
      Claro que concordo contigo, comecemos já a conjugar o "verbo milagrar".
      Sabes, Emília, a velhice não me assusta, mas a solidão, a doença, a dependência, a rejeição...menina, entro em pânico só de pensar.
      Beijo, amiguinha.

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    2. Só entrando na conversa de vocês, também me preocupa isso, Teresa! A velhice não ligo, vou dançar conforme a música, mas a solidão, a dependência...penso.
      beijo.

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