A morte pode vir quando quiser: trago as mãos cheias de rosas e o coração em festa: posso partir.
"Diário do último ano" é registo dos últimos dias de vida de Florbela Espanca, «uma virgem prometida à morte», como escreveu Natália Correia no Prefácio.
É um desabafo pessoal, uma confissão, feito em 32 pequenas anotações (apresentadas também na versão do manuscrito original) e um longo poema, escrito por uma alma angustiada:
"Ó Almas de mentira,
Almas cancerosas,
De virgens que nunca se curvaram
À janela dos olhos pra ver rosas
E cravos e lilases e verbenas...
Ó almas de gangrenas,
Almas 'slavas, humildes, misteriosas,
Cruéis, alucinantes, tenebrosas,
Todas em curvas negras como atalhos,
Feitas de retalhos,
Agudas com ralhos,
Cortantes como gritos!"
Florbela inicia o diário a 11 de Janeiro de 1930, e logo clarifica para quem o escreve e porque o escreve:
- Para mim? Para ti? Para ninguém. Quero atirar para aqui, negligentemente, sem pretensões de estilo, sem análises filosóficas, o que os ouvidos dos outros não recolhem: reflexões, impressões, ideias, maneiras de ver, de sentir – todo o meu espírito paradoxal, talvez frívolo, talvez profundo.
Encerra-o a 2 de Dezembro, com uma única frase:
- E não haver gestos novos nem palavras novas!
Morre a 8 do mesmo mês, dia do seu 36º aniversário. A terceira tentativa de suicídio (tentado em Outubro e Novembro) foi fatal.
De saúde frágil, com doença mental diagnosticada, depois da morte do irmão em 1927, Florbela entra em depressão e clama pela morte:
Morte, minha Senhora Dona Morte
Tão bom que deve ser o teu abraço!
Eis algumas anotações:
"FEVEREIRO
19 – Que me importa a estima dos outros se eu tenho a minha? Que me importa mediocridade do mundo se Eu sou Eu? Que me importa o desalento da vida se há a morte?
ABRIL
20 – Porque me não esqueço eu de viver… para viver?
28 – Não tenho forças, não tenho energia, não tenho coragem pra nada. Sinto-me afundar. Sou o ramo de salgueiro que e inclina e diz que sim a todos os ventos.
AGOSTO
2 – Está escrito que hei-de ser sempre a mesma eterna isolada… Porquê?
OUTUBRO
8 – (…) só na alma é que a lama se não apaga; aquela com que nos salpicam, sai com água.
NOVEMBRO
15 – Não, não e não!
20 – A morte definitiva ou a morte transfigurada?
Mas que importa o que está para além?
Seja o que for, será melhor que o mundo!
Tudo será melhor do que esta vida!"
Sinto-me só. Quantas coisas lindas e tristes eu diria agora a Alguém que não existe!
Este livro pequenino é triste mas belíssimo!
Confirme!
Diário do último ano, de Florbela Espanca
Bertrand, 1981
70 págs.
Lindo, triste de encher os olhos de água, mas maravilhoso.
ResponderEliminarBeijinhos
Léah
Olá Léah!
EliminarÉ triste e lindo. Mesmo!
O poema (muito grande para postar... talvez um dia o faça) é amargo "de morrer", mas encantador.
Léah, não tem dado para passar pelo teu cantinho. Desculpa!
Prometo voltar.
Beijo.
Mossa... eu tinha certeza que tinha comentado na Florbela! Como umas 3 vezes vezes essa tua postagem me perdi...É o que dá deixar para comentar depois... Sabes que Florbela é uma das minhas preferidas por expressar suas emoções com muita verdade, formando imagens fortes impregnadas de emoções. Mostra a vida, sua vida conturbada e doa a quem doer. Gosto de poesia forte, que diga as coisas como são e não como deveriam ser.
ResponderEliminarVou procurar esse livro, o último.Lembras de seu primeiro poema? Vida e Morte!
Um valor que partiu cedo. Lembro que seu pai só a reconheceu como filha depois de sua morte - suicídio. Toda sua poesia era sobre seus sentimentos. Pra nós deixou uma riqueza de vida.Uma biografia rica demais.
Beijo, amiga!
"O que é a vida e a morte
ResponderEliminarAquela infernal inimiga
A vida é o sorriso
E a morte da vida a guarida."
Lindo!
Beijo.