“A primeira vez que perguntei donde vinham os meninos, a mamã deu-me uma resposta científica, com todo o tipo de pormenores: o esperma e o óvulo e a fecundação e o zigoto e o parto e o cordão umbilical e tudo o que se queira. Como deve ser, com toda a naturalidade do mundo: «O teu pai e eu fizemos amor…» Julgo até que a minha imaginação construiu uma representação mental do estranho enigma que me estavam a contar, em que a pilinha do papá encaixava no buraquinho da mamã com uma precisão geométrica e limpa, como encaixam as peças de madeira nos jogos de construção. Mas não era uma imagem de verdade. Não é uma imagem de verdade. (…)
Não é só a imagem de como nos geram que é falsa Também a de como nascemos. Toda aquela humidade embrulhada num choro raivoso, o sangue e os rompimentos, os coágulos espalmados que selam as pálpebras, o frio, a ingravidade perdida e aquela repentina obrigação de sermos, de sermos a sério e sozinhos, todo aquele pântano de células forçadas a juntarem-se em órgãos e crescerem e dividirem-se, que é a sua forma de se multiplicarem, e procurarem uma saída.
Nascer é isso: procurar uma saída, procurá-la às apalpadelas e aos encontrões, cegos pelo sangue. E depois a vida inteira à procura de uma saída que nos tire do atoleiro em que a saída anterior nos meteu, talvez porque não era exactamente uma saída e assim, com a memória entretida, acabamos por acreditar que não nascemos assim, que viemos ao mundo limpos e embrulhados como uma rebuçado, a cheirar a gazes e pomadas, com a pele hidratada de cremes, e não de sangue. É a primeira lenda. Ainda não acabámos de nascer e já estamos a inventar como nascemos. Agrada-nos a ideia de sermos filhos de uma ideia. Queremos ser filhos do amor e somos filhos do sexo. É possível que o amor contenha o sexo, como as nascentes dificilmente perceptíveis contêm rios imensos.”
Nascer é isso: procurar uma saída, procurá-la às apalpadelas e aos encontrões, cegos pelo sangue. E depois a vida inteira à procura de uma saída que nos tire do atoleiro em que a saída anterior nos meteu, talvez porque não era exactamente uma saída e assim, com a memória entretida, acabamos por acreditar que não nascemos assim, que viemos ao mundo limpos e embrulhados como uma rebuçado, a cheirar a gazes e pomadas, com a pele hidratada de cremes, e não de sangue. É a primeira lenda. Ainda não acabámos de nascer e já estamos a inventar como nascemos. Agrada-nos a ideia de sermos filhos de uma ideia. Queremos ser filhos do amor e somos filhos do sexo. É possível que o amor contenha o sexo, como as nascentes dificilmente perceptíveis contêm rios imensos.”
Enrique de Hériz , escritor espanhol (n. 1964), in “Mentira”, Ed. D. Quixote, 2006
Foto da net.
rss, eu não fui filha de sexo nem de amor, era filha de cegonha!!!Aqui no Brasil tinha essa história, quando perguntávamos como nascemos, e perguntávamos ainda muito crianças, minha mãe disse que a cegonha havia me trazido... engoli bonito essa historinha, e como eu, milhões de criancinhas do Brasil. Mais tarde, com as colegas de aula é que descobri a verdade, a verdadeira cegonha. Mas era assim. Já meus filhos souberam a verdade porque tiveram a curiosidade um pouco mais tarde e compreenderam a explicação 'física'. E nós somos de outra geração, de um jogo mais verdadeiro. Tornou-se mais fácil.
ResponderEliminarMas aceito isso como a evolução da educação. Elas não tinham muitas condições de explicarem, sentiam-se embaraçadas, e colocavam a cegonha no meio...Fácil de compreendê-las...
E hoje, é mais fácil ainda, é só assistir novela da Globo!!!! rs Que coisa...
Beijo!
Olá Tais!
EliminarRecordo que nunca a minha mãe respondeu com verdade a quaisquer perguntas minhas relacionadas com amor, sexo, como somos gerados ou como nascemos. As respostas que obtinha, quando não era mandada calar, eram "de mentirinha", eram fantasiadas.
A verdade chegava-me através de amigas esclarecidas "as sabidonas" que deixavam de boca aberta as ignorantes na matéria. Eu, era das que mais ficava de boca aberta. E desapontada com a própria mãe.
Outros tempos!
Onde cresci não havia televisão, logo, nada de novelas da Globo. Vendiam umas revistas com fotonovelas. Pirosas!
Nos cinemas eram rigorosos com a entrada de jovens com menos de 17 anos. Recordo um dia em para entrar num filme para maiores de 17 anos, “arranjei” um namorado de ocasião. Entrei, com os meus catorze anos, de mão dada ao meu amigo Nelson, um «gato» de dezoito anos. Amigos e amigas comuns apoiaram o "namoro", que queriam se tornasse sério.
Qual era o filme? Não sei! Passei o tempo todo a afastar a mão do Nelson.
Saímos do cinema de mão dada mas logo na esquina… eu terminei o namoro… ele passou de amigo a inimigo. Nunca me perdoou.
Amiga, foi bom recordar um pouquinho da minha adolescência.
Agora, responde-me, não seria uma gracinha vir ao mundo “limpos e embrulhados como um rebuçado”?
Beijo.
Parece escrita promissora. Desconheço o escritor. Mas nem concordo com ele. Há uma idade para tudo e que o início nos seja romanceado não me parece mal. A imaginação infantil - até como ele demonstra, a mãe contou tudo tal qual e ele romanceou na mesma - tem de fazer o seu papel. E a adulta também. A vida feita de verdades e factos seria uma chatice das grandes. E procurar saídas sem contributo da imaginação, não há. Felizmente.
ResponderEliminarBea, este romance de Enrique de Hériz é muito interessante.
EliminarPostei sobre ele no meu rol.
Bom domingo.
Ei Teresa, bom dia!
ResponderEliminarEstou chegando a seu blog
mas percebi de cara que tenho muito para
ler por aqui. Dessa dessa forma
eu já sigo aqui enquanto a aguardo
la pelo Espelhando.
Feliz sábado.
Bjins
CatiahoAlc.
Bem-vinda, Catiaho!
EliminarJá passei pelo "Espelhando" e deixei um comentário.
Estou seguindo você.
Beijo.
Um excelente texto de Enrique de Hériz , apesar de achar que o nascimento é uma coisa muito bela e acreditar que somos filhos do amor...
ResponderEliminarBeijos.
Graça, "Mentira" (postado no meu roldeleituras) é um interessante romance. A trama, nada tem a ver com o pequeno texto que postei aqui.
EliminarVale a pena ler. O romance.
Beijo.
Bem pertinente sua abordagem!
ResponderEliminarCostumo pensar ... felizes os filhos do amor!!!
Bj e em relação às fotos...tenho de ver como se faz
Bom dia!
ResponderEliminarQue cada dia
Seja um dia
Querendo mais
Um dia
abraço
Lola
Bem-vinda Lola!
EliminarPassei pelo seu cantinho e gostei muito.
Estou seguindo você.
Abraço.
A minha mana foi ''senhora'' pouco antes de fazer dez anos... Eu expliquei-lhe sobre óvulos e espermatozóides, tudo de forma leve e não pedi segredo... no dia seguinte ela explicou tudo às coleguinhas...
ResponderEliminarFoi um Deus nos acuda, as freiras chamaram-me ao colégio indignadas!
Felizmente, hoje as mentalidades são outras...
Não mentindo, é preciso ser cauteloso no modo de explicar, porque antes dos nove anos, a criança vive num mundo muito ''faz de conta''...
Ser filho de um grande amor, por vezes, puríssimo, por vezes não chega para o bebé se desenvolva num ambiente de carinho aconchegante...
Nunca li este autor... inscrevi-o na minha lista.
~~~ Beijos ~~~