Cada homem devia receber uma dose de veneno no dia da sua maioridade. Não para o incitar ao suicídio, mas, pelo contrário, para o fazer viver com mais segurança e mais serenidade. Viver sabendo-se senhor da sua vida e da sua morte.
Em “ Valsa do adeus” (1972) oito corações acelerados, nem sempre em sintonia perfeita, buscam a felicidade numa pequena estância termal isolada, antiquada, decadente, famosa pelos águas que tratam o coração dos homens e a esterilidade das mulheres.
Num contínuo de encontros e desencontros, homens e mulheres rodopiam ao ritmo de uma valsa-intriga, sabiamente orquestrada por Kundera com muita ironia e humor.
Toda a acção decorre no espaço de cinco dias - segunda a sexta-feira dum início de Outono.
A narrativa, rápida, inteligente, envolvente, retrata o comportamento de pessoas normais apanhadas em situações imprevisíveis. Não há verdades absolutas, antes mentiras desesperadas. E muitas contradições.
Ruzena, uma jovem e bela enfermeira da casa de banhos, e Klima, um célebre músico de jazz, estão no centro duma enorme confusão amorosa, “temperada” com pormenores hilariantes.
Ruzena e Klima conheceram-se na noite em que o jovem e charmoso trompetista actuou na estância termal. Dormiram juntos. Não voltaram a ver-se.
Dois meses depois (segunda-feira), ela liga-lhe e diz-lhe que está grávida. E ele fica paralisado de terror.
Será mesmo o pai da criança? Estiveram juntos apenas uma vez. Tem de convencê-la a abortar. Como? Com promessas e mentiras.
Klima é casado com Kamila, uma bela mulher de saúde frágil, que renunciou à carreira de cantora.
Ele ama-a infinitamente. Sente o coração despedaçar-se quando a vê triste. “Perde-se” em casos de infidelidade, mas volta para ela sempre mais apaixonado. Era capaz de dar a vida por ela.
Já Kamila ama o marido doentiamente. Torturada pelo ciúme não acredita em nada do que ele lhe diz. Tem medo de todas as mulheres que gravitam à volta dele. Silencia a sua desconfiança para não o enfurecer. Aprendeu a “jogar” com a tristeza para o atrair.
Porque não procura ela algum conforto no mundo dos homens?
Porque o ciúme possui o poder espantoso de iluminar de raios de luz intensos o ser único, mantendo a multidão dos demais homens numa obscuridade total.
(É hilariante a relação de amor/ódio deste casal. Já agora, fique a saber que , lá para quinta-feira, Kamila vai mudar …)
Às 9.00 horas da manhã do dia seguinte, Klima chega a à estância termal.
Antes de falar com a enfermeira, encontra-se com o doutor Skreta, director dos serviços de ginecologia. Tenta convencê-lo de que aquela criança não pode ser sua, que duvida até que Ruzena esteja realmente grávida.
- Examinei-a ontem. Está grávida. – disse o médico.
É um Klima apavorado e angustiado que se senta à frente de Ruzena.
Ela diz que nunca aceitará abortar. Não nunca… Ele, perde o uso da fala… mas não da capacidade inventiva e pouco depois é uma Ruzena empolgada que confidencia às colegas: - Ele disse que me amava e que ia casar comigo… mas não quer que eu tenha já um filho.
Mas esta valsa não é só dançada por Ruzena e Klima. Outros dançarinos rodopiam no salão: Bertlef (o rendeiro americano rico louco por mulheres); Olga (a mais antiga utente da estância termal), Frantisek (o tresloucado namorado de Ruzena, que insiste que o filho é seu); Jakub (o decepcionado militante do movimento politico comunista, vítima das depurações, que pretende abandonar definitivamente o país e está na estância termal para se despedir da amiga e protegida Olga, e devolver ao doutor Skreta o comprimido de veneno que em tempos este lhe havia preparado) e Kamila (que também aparecerá por lá).
Jakub, para muitos dançarinos um mero desconhecido, vai interferir no ritmo desta valsa.
Ruzena cruza-se com ele num café. Desagrada-lhe o seu rosto. Acha-o irónico e ela detesta a ironia. O olhar dele assusta-a. Sai apressada e esquece sobre a mesa um tubo com comprimidos. Jakub apanha-o.
Na quinta-feira o trompetista volta a tocar na estância. A mulher, sem que ele saiba, aparece de surpresa e assiste ao concerto. Acabam por dormir na estância.
No dia seguinte, ele acorda e sai apressado do quarto. Tem de falar urgentemente com Ruzena.
Entretanto, na sala de banhos Frantisek e Ruzena discutem violentamente à frente das utentes.
Kamila, enfurecida vai à procura do marido. Num corredor encontra Jakub. Caminham lado a lado e ele fala, fala, fala. Separam-se.
Kamila não esquece as palavras daquele desconhecido. Nem o seu rosto. Como ele, também ela vivia na cegueira. Via apenas um único ser, iluminado pelo farol violento do ciúme. Depois daquele encontro começa a sentir-se segura de si e mais bela. O marido deixa de ser o único homem do mundo. O eventual fim do seu casamento, já não lhe inspira nem angústia nem medo.
O que lhe disse Jakub? Eu sei, mas não digo.
O ritmo desta valsa acelera e o pior acontece quando um comprimido azul pálido mata um dançarino.
Assassínio? Suicídio? Acidente?
Este romance aborda questões sérias de uma forma deliciosamente divertida.
(Qual foi o dançarino que morreu? Ora, ora, se eu revelar perde a graça!)
Leia!
A valsa do adeus, de Milan Kundera
Tradução de Miguel Serras Pereira
D. Quixote, 1989
210 págs.
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