… a vida é assim, o peixe mau não tem espinhas e o bom está cheio delas.
Memórias… memórias… memórias.
Este romance é um entrelaçado de memórias: privadas (a vida de uma família vulgar, na segunda metade do séc. XIX, início do séc. XX)) e públicas (valores e tradições vigentes na época).
A narrativa começa com o estranho suicídio de António Guedes Ferreira, filho de vinhateiros ricos, bacharel em leis, nascido no Lugar das Cales, em Loureiro, uma aldeia de velhos solares e casebres miseráveis, de má fama, de malfeitores. Dizia-se que lá se matavam as pessoas “por um bom dia”.
Suicídio cometido depois de uma conversa de António Guedes com Perico, um ladrão de estrada, cruel, falso e mentiroso, que fazia consertos lá em casa, pequenos recados. Não eram amigos. Respeitavam-se, apenas.
Amigo de verdade António Guedes só tinha um: António Soeiro, vizinho, da sua idade, como ele proprietário. Soeiro é um rufião, vaidoso, ambicioso, oportunista, viciado no jogo. Acontece que António Guedes, homem fraco e crédulo, só vê virtudes no amigo e empresta-lhe elevadas somas de dinheiro. Dinheiro para sempre perdido pois Soeiro está arruinado. Perdeu no jogo a fortuna herdada do pai.
Certo dia, ao regressar de um encontro com os credores, Soeiro encontra Perico e diz-lhe: temos de falar. Falam e nos dias seguintes o malfeitor ronda a casa de António Guedes. Acaba por entrar, manso como um cordeiro, e pede para falar a sós com ele.
Certo dia, ao regressar de um encontro com os credores, Soeiro encontra Perico e diz-lhe: temos de falar. Falam e nos dias seguintes o malfeitor ronda a casa de António Guedes. Acaba por entrar, manso como um cordeiro, e pede para falar a sós com ele.
O que lhe disse não ficou registado nem ninguém ouviu. Mas foi uma revelação tão poderosa e demolidora que António Guedes morreu disso. Envenenou-se. Só Perico sabia as razões.
(Eu também sei, mas nada desvendo, para que você as encontre espalhadas nas páginas deste romance.)
António Guedes casa cedo com Maria Maximina, mulher inteligente e trabalhadora, filha de uma família com títulos e apelidos mas sem fortuna. Após a morte do marido Maximina fica a braços com três filhos e poucos rendimentos, dado que a maior parte dos bens vai, por direito, para Lourenço Guedes Ferreira, o filho mais velho, o morgado.
Lourenço Guedes fica rico aos dezoito anos, aos dezanove já tinha gasto quase tudo e aos vinte está arruinado. Esbanja dinheiro em casas de jogo com o filho de António Soeiro, como fizera o pai na versão antiga. Aos vinte e cinco casa com uma jovem de Santa Comba. Nascem cinco filhos, só dois sobrevivem: Lourenço, doido acabado, e Zília. Enviúva e volta a casar, com Lourença Jurado, vinte anos mais nova, filha de um dos homens mais ricos de Zamora.
Para refazer a vida vai para África, seduzido por um contrato com os caminho-de-ferro e os negócios em parceria com... Soeiro, o vizinho!
África salvo-o da penúria. No regresso definitivo, compra casa em Zamora e monta uma fábrica de moagem. Prospera. Chama, então, para junto de si, os filhos do primeiro casamento e… tudo começa a correr mal. O jovem Lourenço, para encobrir roubos de farinha que vendia às escondidas, incendeia o armazém. O pai recusa-se a internar o filho, reconstrói o armazém e volta à luta. Por pouco tempo pois o filho louco acaba por destruir a totalidade da fábrica.
Para refazer a vida vai para África, seduzido por um contrato com os caminho-de-ferro e os negócios em parceria com... Soeiro, o vizinho!
África salvo-o da penúria. No regresso definitivo, compra casa em Zamora e monta uma fábrica de moagem. Prospera. Chama, então, para junto de si, os filhos do primeiro casamento e… tudo começa a correr mal. O jovem Lourenço, para encobrir roubos de farinha que vendia às escondidas, incendeia o armazém. O pai recusa-se a internar o filho, reconstrói o armazém e volta à luta. Por pouco tempo pois o filho louco acaba por destruir a totalidade da fábrica.
Lourenço Guedes aceita aquilo como um sinal, sempre benvindo, de que devia retomar o caminho noutra direccção, e toma duas decisões: dá ao filho a parte da herança da mãe e manda-o viajar; vende o que lhe resta, indemniza os fregueses e volta para Portugal com a mulher e as filhas.
Instala-se em Matosinhos e obtém a concessão dos trabalhos do Porto de Leixões. Volta a ganhar muito dinheiro.
Lourenço Guedes, fez duas fortunas, salvou a pele, teve catorze filhos, dos quais dez inviáveis, acumulou decepções e chamou a tudo isso uma história de loucos. E escreveu um diário, que salvou do esquecimento factos marcantes da vida de três gerações da sua família.
Desvendei muito? Não! Repare que nada disse sobre as mulheres da família; nem sobre as viagens de Lourenço, o incendiário; nem sobre...
As memórias laurentinas assentam numa história de vingança que leva séculos a consumar.
Acredite que MUITO ficou por desvendar.
Acredite que MUITO ficou por desvendar.
Se gosta de sagas familiares inteligentes, convincentes, surpreendentes, esta é para si.
Acomode-se no sofá, livro nas mãos, manta nas pernas (já apetece), um lápis para sublinhar e um bloco para criar a árvore genealógica dos Guedes Ferreira. Isto, para não se perder na intrincada trama.
Eu não me perdi, mas desisti... da árvore, claro!
Memórias laurentinas, de Agustina Bessa-Luís
Guimarães Editora, 1996
299 págs.
Tão curiosa que fiquei :)
ResponderEliminarBeijinho Teresa
Olá Denise!
EliminarLê que vais gostar. É arrebatador.
Agustina no seu melhor!
Bjs.