“A minha avó era uma beldade. Tinha um rosto de forma oval, com faces rosadas e pele sedosa. (…)
O seu valor residia, porém, nos pés enfaixados, chamados em chinês «lírios dourados com oito centímetros» (san-tsun-gin-lian). (...)
Tinha a minha avó dois anos quando lhe enfaixaram os pés. A mãe, que também tinha pés enfaixados, começou por enrolar-lhe à volta dos pés uma tira de pano com cerca de seis metros de comprimentos, dobrando todos os dedos, excepto o grande, para dentro e para baixo da planta. Depois pôs-lhes uma grande pedra em cima, para esmagar o arco. A minha avó gritou de dor e suplicou-lhe que parasse, e a mãe teve de meter-lhe um pano na boca, para amordaça-la. A infeliz desmaiou diversas vezes, devido à dor.
O processo demorava anos. Mesmo depois dos ossos terem sido partidos, os pés tinham de continuar enfaixados, dia e noite, em tiras de pano, pois no momento em que fossem libertados, tentariam recuperar. Durante anos, a minha avó viveu cheia de dores terríveis e constantes. Quando suplicava à mãe que lhe tirasse as faixas, ela chorava e dizia-lhe que isso arruinaria toda a sua vida futura, e que fazia aquilo pela felicidade dela.
Naqueles tempos, quando uma mulher casava, a primeira coisa que a família do noivo fazia era examinar-lhe os pés. Uns pés grandes, ou seja, uns pés normais, traziam vergonha para a casa do marido. (…)
O costume de enfaixar os pés foi introduzido na China há cerca de mil anos, segundo se diz por uma concubina do imperador. (…)
As mulheres não podiam tirar as faixas mesmo depois de adultas, pois os pés começariam a crescer novamente. Só à noite, na cama, lhes era possível aliviar temporariamente o tormento, afrouxando um pouco as tiras de pano. Calçavam, então, uns sapatos de sola macia. Os homens raramente viam nus uns pés enfaixados, que estavam geralmente cobertos de carne apodrecida e exalavam um cheiro horroroso quando se tiravam as faixas. Lembro-me de, em criança, ver a minha avó constantemente cheia de dores. Sempre que regressávamos das compras, a primeira coisa que ela fazia era meter os pés numa bacia de água quente, suspirando de alívio. Depois punha-se a cortar pedaços de pele morta. A dor era provocada não só pelos ossos partidos, mas também pelas unhas, que cresciam para dentro da ponta dos dedos.
Na realidade, os pés da minha avó tinham sido enfaixados precisamente na altura em que a prática estava prestes a desaparecer para sempre.”
Inacreditável!
Tirei daqui: “Cisnes selvagens”, de Jung Chang, Quetzal Editora, 1995
Fotos da net.
Gosto tanto do seu blog, aprendo tanto com o que me dá a conhecer. Muito obrigado.
ResponderEliminarObrigada eu, por passar por aqui e pelo incentivo.
EliminarLembro-me de ter lido esta parte do livro. Pareceu-me então uma maldade sem nome que as garotas sofriam em nome de um uso ou de um conceito de beleza estranhíssimo. Pobrezinhas.
ResponderEliminarEra horrendo.
EliminarNão consigo, sequer, imaginar o sofrimento das mulheres.
Ditosamente, terminou.
E vivam as mulheres de pés grandes!... Lindas como elas só. Conheço uma, tão, mas tão linda por dentro como por fora. E que os pés livres que tem a levem por caminhos de poucos escolhos.
ResponderEliminar