O que era o amor? Ema achava-o um derivativo duma vocação profunda e inflexível; um luxo que simboliza paisagem que a ninguém é dado ver; sonhos, apetites, manias que nada mais são do que o desejo de ser uma outra pessoa, de arrancar desses símbolos do corpo (o sexo e os olhos que primeiro pecam) a natureza da pessoa, em toda a sua difusa corrente de movimentos.(...)
Os amantes (…) não lhe serviam senão para através deles consagrar o pecado. Mas só amando se consagra alguma cosa; senão era apenas o silêncio.
Sinopse:
“A recriação duma Bovary, destinada a servir de guião para um filme de Manuel de Oliveira, trouxe à Autora a necessidade de descobrir a natureza flaubertiana que concebeu Ema e a tomou como seu espelho. “A Bovary sou eu” – disse Gustave Flaubert, no auge da incriminação que pesou sobre a sua vida de romancista. De facto, Ema é Flaubert, e o romance é uma história de paixão que tem como adversária a mediocridade. Chabrol soube tocar essa realidade que ofusca todas as outras, ao dizer: “O ser humano é estúpido. O que salva Ema é que ela se bate.”
Ema bate-se contra a rede de pequenas e formidáveis misérias que se apertam em volta dela. Heroína provinciana das insatisfações típicas do ser humano…”
Sem dúvida que a sinopse desperta curiosidade, mas… lamento, ter de dizer que ao reler “Vale Abraão” voltei a sentir enfado e desilusão. Nem a digna descrição da paisagem serena e bucólica das quintas da margem direita do Douro vinhateiro (lugar onde tudo acontece) evitou o meu drama de virar a página ou fechar o livro.
É claro que elogio a excelência da escrita e aplaudo efusivamente a caracterização física e psicológica das personagens do romance, particularmente da mulher que é o centro vivo de uma história, mas não heroína dela…
Ema, assim se chama a protagonista, é uma mulher provinciana, inteligente, bela, sedutora, ambiciosa, divertida, casada com Carlos, que não ama, um médico paciente, um santo, que tudo lhe desculpa, por considerar que ela sofre de uma depressão singular e incurável devido ao efeito da sua manqueira – um defeito na perna esquerda, desde os cinco anos, mãe de duas filhas,que ignora.
Mulher adúltera, tem vários amantes ao mesmo tempo. Não os ama, nem quer comprometer-se com nenhum. “Usa-os” para poder frequentar uma sociedade que lhe está vedada.
Desencaminhada, ou perdida, a sua vida é um constante vaivém de corridas no seu carrinho amarelo descapotável, festas, bailes, viagens. Adora comprar coisas, fazer dívidas, fumar até um pouco de erva e beber às vezes até perder toda a noção da decência.
Grande personagem esta Ema, a Bovarinha.
Agustina não poupa adjectivos para a caracterizar: caprichosa, insatisfeita, interesseira, orgulhosa, invejosa, maldosa, viril, poderosa, vingativa, cabeça louca, provinciana ensaboada, desenganadora, dona de uma personalidade malévola, mentirosa sem escrúpulos, vadia sem despudor, indigna sem preâmbulo, fútil sem vaidade, etc., etc..
Narrado no último capítulo do livro - “UM RIO CHAMA OUTRO RIO”, é triste o fim da menina que cresceu sem mãe numa liberdade demasiada, da jovem fútil que engana o marido e os amantes, da mulher solitária, doente, tristonha e sem alma.
Quando a perfeição é monótona e repetitiva, cansa!
Vale Abraão, de Agustina Bessa-Luís
Guimarães Ed., 1991
239 págs.
Já vi o filme. Já li o livro. Do livro não recordo nada (li-o cedo demais, é certo). Do filme pouco me lembro. A escrita de Agustina é muito ela. Há quem a adore, agora que já não escreve nada. Até os autores têm época. Qualquer dia requisito o livro na biblioteca. Agustina ainda não me convenceu a gastar dinheiro com ela.
ResponderEliminarOlá Bea!
ResponderEliminarDecidi reler este ano tudo o que tenho de Agustina. Não é muito. Felizmente!
O próximo romance a reler será "As terras do risco".
Depois do Douro vinhateiro, vou subir a Serra da Arrábida...