29 maio, 2016

"Seda" - Alessandro Baricco

Hervé Joncour tinha 32 anos.
Comprava e vendia.
Bichos-da-seda.

Lavilledieu era o nome da vila onde Hervé Joncour vivia.
Hélène o da sua mulher.
Não tinham filhos.

Hervé Joncour, para adquirir os ovos dos bichos-da-seda, deslocava-se para além do Mediterrâneo, à Síria e ao Egipto.
Todos os anos, no início de Janeiro, partia (…) Regressava no primeiro domingo de Abril, em regra a tempo para a Missa grande.
Trabalhava mais duas semanas para embalar os ovos e vendê-los.
O resto do ano, descansava.
- COMO É A ÁFRICA?, perguntavam-lhe.
- Cansada.

No início dos anos sessenta, a epidemia que tinha tornado inutilizados os ovos das criações europeias difundiu-se além-mar, alcançando a África.
Havia que ir ainda mais longe em busca dos melhores ovos.
Havia que atravessar o mundo e chegar ao Japão. Os japoneses produziam e vendiam a seda mais bonita do mundo - mas os ovos, esses não. Levá-los para fora da ilha era crime. Há duzentos anos isolada do resto do mundo, continuavam a proibir a entrada a estrangeiros.
Um dia segurara entre os dedos um véu tecido com fio de seda japonesa. Era como segurar entre os dedos o nada - dizia Baldabiou, o homem que colocou Lavilledieu no grupo dos principais criadores europeus de bichos-da-seda e de fiação de seda e que aliciara Hervé Joncour para o negócio da seda.
Hervé Joncour abandonou a carreira militar e tornou-se comprador e vendedor de ovos de bichos-da-seda. No início de cada ano partia à procura dos melhores. Cruzava mares e terras para os encontrar, escolhia-os, comprava-os, transportava-os para Lavilledieu, embalava-os e vendia-os às fiações locais. Ganhava muito dinheiro. 
- E onde fica, exactamente, esse Japão?
- Sempre em frente naquela direcção. Até ao fim do mundo.
A 6 de Outubro de 1861, Hervé Joncour partiu sozinho.
Levava consigo oitenta mil francos de ouro e os nomes de três homens: um chinês, um holandês e um japonês.
Em Shirakawa negociou a aquisição de ovos e conheceu o poderoso e inacessível Hara Kei, senhor de uma impressionante colecção de aves exóticas e de uma mulher misteriosa, uma rapariguinha cujos olhos não tinham um corte oriental. 
Hervé Joncour regressou a Lavilledieu no primeiro domingo de Abril. Escondidos na bagagem, levava milhares de ovos de bichos-da-seda, e no coração uns olhos que o olhavam com uma intensidade desconcertante.
Nesse ano a produção de seda foi extraordinária.
Hervé Joncour enriqueceu. Completou 33 anos a 4 de Setembro de 1862. A sua vida chovia, diante dos seus olhos, espectáculo sereno.
No primeiro dia de Outubro do ano seguinte, Hervé Joncour voltou ao Japão. Voltou a ver a rapariguinha cujos olhos não tinham um corte oriental. Mil vezes procurou os olhos dela, mil vezes ela encontrou os seus.
Regressou a Lavilledieu com ovos, e uma pequena folha de papel com ideogramas desenhados um debaixo do outro, a tinta preta.
Pagou a Madame Blanche, a japonesa dona de um bordel, para saber o que estava escrito na folhinha.
- Voltai ou morrerei.
10 de Outubro de 1864.
As notícias de uma guerra civil no Japão não demovem Hervé Joncour de fazer a sua quarta, e última, viagem.
Encontrou destruição e terra queimada. Nada soube sobre a rapariguinha cujos olhos não tinham um corte oriental.
De repente viu o que julgava invisível.
O fim do mundo.
A viagem de regresso foi demorada.
Hervé Joncour chegou a Lavilledieu a 6 de Maio de 1865, com milhões de larvas. Mortas.
Seis meses depois, recebeu pelo correio um envelope que tinha dentro sete folhas dobradas cheias de ideogramas japoneses. Guardo-as.
No inverno de 1874 Hélène adoeceu e morreu no início de Março.
Dois meses depois, Hervé Joncour quis saber o que diziam as sete folhas que recebeu pelo correio.
Madame Blanche lia. Ele escutava.
Uma belíssima confissão de amor.
Escrita por Madame Blance. Ditada por uma mulher com voz belíssima. De veludo.
Mas isso, Hervé Joncour só soube muitos anos mais tarde.
Hervé Joncour viveu ainda vinte e três anos.
Sempre em Lavilledieu. Sempre na casa que partilhou com a sua amada.
Quando a solidão lhe apertava o coração, subia ao cemitério, para falar com Héléne,
Hélene, a mulher com voz de veludo.

Seda é um delicado relato sobre o amor.
Uma provável história de amor, tecida com fios de seda pura.
Enigmática, melancólica, contida de gestos e palavras.
… a vida, às vezes, toma um rumo tal que não resta mais nada para dizer.

(Romance oferecido pela minha filhota em Setembro de 2008, esteve até agora "perdido" numa pilha de livros. Lamentavelmente!)

Seda, de Alessandro Baricco
Tradução de Simonetta Neto
Ed. Dom Quixote, 2008
123 págs.

2 comentários:

  1. Olá Teresa :)

    Conheci esse autor com a sua mais recente obra «A Jovem Noiva» e gostei imenso.
    Pretendo ler também esta «Seda», da qual tenho lido as melhores críticas.

    Beijinhos e boas leituras!

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    1. Olá Denise!
      Obrigada pela dica. Vou procurar.
      «Seda» é encantador.
      Bjs e boa semana.

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