22 janeiro, 2016

"Sábado" - Ian McEwan

Quem não dorme de madrugada faz um ninho com os seus próprios medos.
Londres, 15 de Fevereiro de 2003, sábado, três e quarenta da manhã.
Henry Perowne desperta de um sono profundo, levanta-se, às escuras atravessa o quarto, abre as portadas de uma das janelas de guilhotina e fica ali imóvel e imune ao frio da madrugada a olhar para a cidade. Depois, volta a deitar-se e abraça a mulher que ama.
Aos quarenta e oito anos Henry é um homem feliz e realizado: conceituado neurocirurgião, marido dedicado de Rosalind (advogada,) pai de Daisy (dada às letras e promissora poetisa) e de Theo (talentoso músico de blues). A sua felicidade apenas é abalada pela eminência da guerra com o Iraque, o crescente pessimismo desde o 11 de Setembro e um certo e inexplicável medo de que a sua vida familiar e a sua cidade estejam ameaçadas.
Por momentos esquece os medos e pensa no seu dia de folga semanal. Isso basta para o deixar eufórico e bem-disposto. Quer que aquele sábado seja perfeito: squash de manhã (é fã do exercício físico, corre frequentemente, participa todos os anos numa meia maratona de beneficência); compra dos ingredientes para uma perfeita sopa de peixe; jantar em casa com toda a família: o casal, o sogro e os filhos (Daisy vem de Paris, onde vive, e o filho prometeu ficar em casa pelo menos umas horas).
Como faz sempre nos dias de folga, liga para o hospital para saber dos seus doentes. Depois, animado por um café quente e forte, veste o velho fato de desporto, pega na raqueta, sai de casa, apressa o passo em direcção ao parque onde tem o carro e arranca em direcção ao clube de squash, ao som de um trio de cordas de Schubert (na sala de operações gosta de ouvir Bach).
Estranhamente sente um misto de felicidade e agressividade.
A meio de Tottenham Court Road um polícia de trânsito manda-o parar. A rua está fechada devido a uma manifestação contra a invasão do Iraque. Tenta avançar por uma rua estreita e deserta e eis, senão, quando dois carros tentam ocupar o espaço que só dá para um: o seu Mercedes S500 prateado e um BMW série cinco, modelo que ele associa a criminalidade e tráfico de droga.
Henry sai do carro para avaliar os estragos. O Mercedes está arruinado. E o mesmo acontece com o seu sábado. Está furioso mas tem de ter cuidado – no BMW estão três rapazes e ele não gosta de confrontos pessoais
- Um cigarro?
Uma mão grande, fechada e trémula estende-se para Henry.
- Não fumo, obrigado.
Apertam as mãos.
- Henry Perowne.
- Baxter. Espero que esteja disposto a pedir-me sinceramente desculpa.
Bastou o simples apertar de mãos para Henry perceber que aquele jovem nervoso e agressivo, tem graves problemas neurológicos.
O que acontece depois, naquela rua estreita e deserta? Confronto físico, claro!
Estragada a manhã, como corre a noite?
Vou desvendar muito pouco: a família está finalmente reunida; falam sobre música e poesia; brindam à vida, ao amor, à união familiar. De repente...
… de repente, Baxter de faca em punho irrompe violentamente na sala e transforma o serão familiar numa aventura aterradora, com consequências graves para todos.
Acabou!
Para saber o que ali se passou; quem tem de perdoar quem; como pode a leitura de um poema enfeitiçar um homem - vai ter de ler "Sábado".

Foi um gosto reler este romance . É o meu preferido, de todos os que já li de Ian McEwan.
Para criar e caracterizar o protagonista Henry Perowne, ele assistiu durante dois anos ao trabalho do neurologista Dr. Neil Kitchen no bloco operatório e ouviu tudo sobre “as complexidades da sua profissão e do cérebro, com as suas inúmeras patologias”.
Quem se esforça faz perfeito!
Aviso de amiga: não passe  numa rua oficialmente fechada ao trânsito.

Sábado, de Ian McEwan
Tradução de Maria do Carmo Figueira
Ed. Gradiva, 2005
330 págs.

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