16 junho, 2015

"O banqueiro anarquista" - Fernando Pessoa


“O banqueiro anarquista” - crónica escrita para o primeiro número da revista Contemporânea, em Maio de 1922  - reproduz uma conversa entre dois amigos. Conversa que gira à volta de um único tema: o Anarquismo.
Tínhamos acabado de jantar. Defronte de mim o meu amigo, o banqueiro, grande comerciante e açambarcador notável, fumava como quem não pensa. A conversa que fora amortecendo, jazia morta entre nós. Procurei reanimá-la, ao acaso, servindo-me de uma ideia que me passou pela meditação. Voltei-me para ele, sorrindo:
- É verdade: disseram-me há dias que você em tempos foi anarquista…
- Fui, não: fui e sou. Não mudei a esse respeito. Sou anarquista.
- Essa é boa! Você anarquista! Em que é que você é anarquista?... Só se você dá à palavra qualquer sentido diferente…
- Do vulgar? Não: não dou. Emprego a palavra no sentido vulgar.
- Quer você dizer então, que é anarquista exactamente no mesmo sentido em que são anarquistas esses tipos das organizações operárias? Então entre você e esses tipos da bomba e dos sindicatos não há diferença nenhuma?
- Diferença, diferença, há… Evidentemente que há diferença. Mas não é a que você julga.
E vá de elucidar o amigo sobre as diferenças...
A diferença é só esta: eles são anarquistas só teóricos, eu sou teórico e prático; eles são anarquistas místicos e eu científico; eles são anarquistas que se agacham, eu sou um anarquista que combate e liberta… Em uma palavra: eles são pseudo-anarquistas, e eu sou anarquista.
... e sobre o processo e os meios de que se serviu, legitimamente, como anarquista, para enriquecer:
Como subjugar o dinheiro, combatendo-o? Como furtar-me à sua influência e tirania, não evitando o seu encontro? O processo era só um – adquiri-lo, adquiri-lo em quantidade bastante para lhe não sentir a influência; e em quanto mais quantidade o adquirisse, tanto mais livre eu estaria dessa influência. Foi quando vi isto claramente, com toda a força da minha lógica de homem lúcido, que entrei na fase actual – a comercial e bancária, meu amigo – do meu anarquismo.

Leia esta história pequenina (55 págs.), crítica, provocatória, hilariante e... actualíssima. 
... dá vontade de rir, mesmo depois de o ter ouvido, comparar o que você é com o que são os anarquistas que para aí há…
"As tretas” deste banqueiro anarquista dão vontade de rir, já as de outros banqueiros...

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