… sempre me fez a maior impressão o raio de semelhança que existe entre a palavra «adulto» e a palavra «adúltero».
Adultos, adúlteros. Curioso!
David Mourão-Ferreira (1927-96) era já autor consagrado com vários contos, novelas, textos para teatro, ensaios e poesia publicados, quando, na década de oitenta, se estreia no romance e publica “Um amor feliz”.
No ano da sua publicação, 1986, este romance conquistou vários prémios e o reconhecimento dos leitores e críticos, que o consideraram um dos mais belos romances publicados em língua portuguesa no séc. XX.
Li pela primeira vez este romance em 1990, na tranquilidade de umas férias junto ao mar, e recordo que estranhei a narrativa original, arrojada e por vezes despudorada, utilizada pelo autor para contar uma história de amor.
Recordo que estranhei, ainda mais, a forma nua e crua, mas ao mesmo tempo fantástica, como é retratado o universo feminino.
Sabendo nós que a imagem de sedutor sempre se colou à pele de David Mourão-Ferreira – poeta dos amores e dos sentidos – entendemos o conhecimento e aplaudimos a subtileza.
O romance é feito de memórias desfolhadas pelo narrador / personagem, um artista plástico, próximo dos sessenta anos, casado, à mulher que lhe confiou a fórmula de certas circunstâncias indispensáveis à existência de “um amor feliz”: uma pessoa casada… só com outra pessoa casada.
Memórias de vários amores e desamores, encontros e desencontros, destacando-se a história de amor vivida com uma mulher estrangeira – a quem chama simplesmente Y – vinte e um anos mais nova e também ela casada.
Tal como o nome, ainda menos que o nome, também a idade não deveria ter grande importância. Mas tem. Oh, se tem!
Mas enganem-se os que pensam que este romance se limita a descrever simples relações adúlteras.
Não!
O autor faz um retrato impiedoso de Lisboa e do país: a crise de valores, a opressão social e política, a crise económica e muito, muito mais.
Como é triste Lisboa
em tempos de amores vivos!
… fala de forma enternecedora sobre a família, os amigos, a vida, a doença e a morte, os segredos, a alegria e a tristeza, a arte e a cultura: a relação com a mulher, pediatra; a relação com a mãe, doente; o regresso aos amigos do passado; o enfado com os conhecidos do presente.
… descreve de forma poética o trabalho e os encontros adúlteros no espaço do atelier – onde o Amor era o centro do Mundo - poesia que, aliás, perpassa por todo o livro.
Os amores felizes não têm história.
Será?
Vou lembrar e guardar para ler de novo este extraordinário romance, escrito em português.
Se ainda não leu... corra a ler!
Se ainda não leu... corra a ler!
Um amor feliz, de David Mourão-Ferreira
Presença, 1986
299 págs.
… sempre me fez a maior impressão o raio de semelhança que existe entre a palavra «adulto» e a palavra «adúltero».
ResponderEliminarAdultos, adúlteros. Curioso!
Nem tanto. Só as crianças são capazes de ser fiéis à verdade.
Um resto de bom fim-de-semana
MariaJB
Não li este livro do escritor e poeta, apenas "Gaivotas em Terra", já há muitos anos... :)
ResponderEliminarEm contrapartida já li aquele que indicaste, de João Ricardo Pedro e também gostei muito! Vou fazer link para o teu post, se não te importares!
Beijocas e bom final de domingo!
Claro que não, linda.
EliminarO meu rol... é também teu...
Bjs.