Li este livro numa viagem de comboio Lisboa – Porto. É daqueles que só largamos quando chegamos ao ponto final.
Aconselho que façam a leitura completa do prefácio – A ARTE DA FOME, de Paul Auster, um dos mais perfeitos prefácios que já li, um auxiliar precioso para a leitura deste romance intemporal, escrito em 1890. (confesso que acho alguns prefácios tão enfadonhos que leio dois parágrafos e salto três…).
O que leva um jovem escritor, um homem solitário, a desfazer-se dos seus bens, a vaguear andrajoso pelas ruas frias da cidade numa miséria extrema, a escrever artigos não solicitados para um jornal local, a passar fome, muita fome?
Para escrever ele tem de comer. Para comer ele tem de escrever.
Mas nem sempre come quando recebe do jornal porque, simplesmente, oferece o dinheiro. E quando come, vomita.
Para atenuar a fome, que por vezes não lhe permite sequer pegar no lápis, mastiga aparas de madeira, chupa pequenas pedras, morde os dedos até sangrar.
Tem noção de que não está no seu pleno juízo, mas continua a atormentar-se, perdendo o controlo sobre os seus pensamentos e as suas acções.
Sente-se cada vez pior, tanto espiritualmente, como fisicamente “quando passava fome durante um período um pouco mais longo, era como se o cérebro lentamente me escorresse para fora da cabeça, deixando-me vazio”.
Se tem consciência de que as suas loucuras o levarão à morte, porque não pára? Porque continua a passar fome?
Acabará por parar.
A mestria do autor não deixa que nós, leitores, sintamos compaixão pelo jovem escritor, pois percebemos que a “fome” desse sonhador é a procura de uma identidade e de um reconhecimento dentro das suas próprias alucinações.
Estranho, não é?
Knut Hamsum (1859-1952) nasceu em Gudbrandsdalen, na Noruega.
Muito pobre, aos dezassete anos tornou-se aprendiz de sapateiro e, quase na mesma altura, começou a escrever. Passou alguns anos da sua vida nos Estados Unidos da América.
“Fome” é considerado pela crítica um marco da literatura moderna.
Fome, de Knut Hamsun (Prémio Nobel da Literatura em 1920)
Cavalo de Ferro, 2010
Tradução de Liliete Martins
247 págs.
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