06 novembro, 2020

"Teoria geral do esquecimento" - José Eduardo Agualusa


Este belíssimo romance - uma mistura de realidade com ficção - cruza histórias angolanas com a história de vida de Ludovica Fernandes Mano (Ludo), a portuguesa que na véspera da independência de Angola, sozinha, desamparada e aterrorizada com o evoluir dos acontecimentos, em vez de fugir opta por barricar-se em casa. Ergue uma parede no corredor que separa o seu apartamento do resto do prédio e ali se mantém enclausurada durante 28 anos. Faleceu na Clínica Sagrada Esperança, em Luanda, no dia 5 de Outubro de 2010, contava oitenta e cinco anos.
Ludo sobrevive com pouco, lê, escreve diários, poemas, reflexões, desenha a carvão nas paredes, olha através da janela para uma Luanda a cada dia mais violenta, louca.  
Testemunhos de Ludo
«OS DIAS DESLIZAM COMO SE FOSSEM LÍQUIDOS. Não tenho mais cadernos onde escrever. Também não tenho mais canetas. Escrevo nas paredes, com pedações de carvão, versos sucintos. Poupo na comida, na água, no fogo e nos adjetivos. »

«A fraqueza, a vista que se esvai, isso faz com que tropece nas letras, enquanto leio. Leio páginas tantas vezes lidas, mas elas são já outras. Erro, ao ler, e no erro, por vezes, encontro incríveis acertos. No erro me encontro muito. 
Algumas páginas são melhoradas pelo equívoco. 
Se ainda tivesse espaço, carvão e paredes disponíveis, poderia escrever uma teoria do esquecimento. 
Dou-me conta de que transformei o apartamento inteiro num imenso livro. Depois de queimar a biblioteca, depois de eu morrer, ficará só a minha voz. 
Nesta casa todas as paredes têm a minha boca.»

«SINTO MEDO DO QUE ESTÁ PARA ALÉM DAS JANELAS, do ar que entra às golfadas, e dos ruídos que traz . Não compreendo as línguas que me chegam lá de fora, que o rádio traz para dentro de casa, não compreendo o que dizem, nem sequer quando parecem falar português, porque o português que falam já não é o meu.»
Para quem escrevo?
Escrevo para quem fui. Talvez aquela que deixei um dia persista ainda, de pé e parada e fúnebre, num desvão do tempo - numa curva, numa encruzilhada - e de alguma forma misteriosa consiga ver as linhas que aqui vou traçando, sem as ver.

"Teoria geral do esquecimento" (2012), inicialmente escrito para argumento cinematográfico, venceu o Prémio Literário Fernando Namora, em 2013; foi finalista do Man Booker International, em 2016; venceu o International Dublin Literacy Award, em 2017 (prémio atribuído pela primeira vez a um livro originalmente escrito em português).
Em Nota Prévia diz o autor:“(…) fotografias da autoria do artista plástico Sacramento Neto (Sakro), sobre os textos e desenhos a carvão (…) os diários, poemas e reflexões de Ludo ajudaram-me a reconstruir o drama que viveu. Ajudaram-me, creio, a compreendê-la. Nas páginas que se seguem aproveito muitos dos testemunhos dela. O que vão ler, contudo, é ficção. Pura ficção.” 

Ora bem, porque não devemos desvendar as histórias que nos contam, para saber mais sobre a vida desta portuguesa de Aveiro vai ter de ler tudo o que eu li.
Não se esqueça, leia.

Teoria geral do esquecimento, de José Eduardo Agualusa
Ed. Quetzal, 2018
233 págs.

6 comentários:

  1. Parece ser um livro muitíssimo interessante, obrigado pela partilha.
    Bom fim de semana
    Beijinhos

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  2. Gostei muito deste livro. Agualusa é um bom escritor.

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  3. Este livro, que também li, é de facto excelente e tão ao jeito de José Eduardo Agualusa. Gostei imenso.
    Um bom fim de semana, minha Amiga Teresa. Cuida-te bem.
    Um beijo.

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  4. Oi Teresa, adorei, fiquei curiosa para saber mais de Ludo, muito interessante mesmo!

    “(…) Não consegui dormir. Às quatro da manhã subi ao terraço. A noite, como um poço, engolia estrelas.”

    Que demais isso, a gente se sente afundado neste poço descrito tão brilhantemente.

    Abraço e bom domingo!

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  5. nao conheço mas parece ser bom a ler bjs saude

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  6. O Agualusa é sempre uma sedução.
    Beijo, boa semana

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