DAVID GROSSMAN, in "Até ao fim da terra"
E se pudéssemos escolher a nossa família?
Sem qualquer hipótese de escolha nascemos no seio de uma família já constituída pelos nossos pais, tios, primos, avós e bisavós.
Os nossos pais têm geralmente expectativas «inconfessáveis» quanto à pessoa que gostariam que fossemos, ainda antes de nós nascermos. Por vezes, tantas expectativas geram desilusões.
Tudo começa com o nascimento do primeiro filho, quando nasce uma menina e eles preferiam um menino. Ou vice-versa.
(Uma amiga, há muitos, muitos anos, na minha outra terra - Moçambique, convenceu-se de tal maneira de que iria dar à luz uma menina que quando nasceu um menino e o médico lhe deu a boa nova, gritou: Que desgosto! Resposta pronta do médico: Não quer deite no lixo. E fez-se silêncio na sala de partos. Aprendeu a lição e rapidamente se tornou uma mãe exemplar. E foi sem quaisquer problemas, que compartilhou com amigas/futuras mães, esta lição. E eu, que cheguei a ver o menino, Marco de seu nome, vestido de cor-de-rosa, tapadinho com mantinhas cor-de-rosa, num berço igualmente cor-de-rosa, atesto que ele cresceu lindo, saudável e muito amado. Logo, logo, o enxoval cor-de-rosa deixou de lhe servir e a partir daí vestiu de azulinho. Para sempre? Maldade! Mas não sei não, pois a minha amizade com a mãe caiu ao mar que atravessei ao voltar à terra onde nasci. Caiu esta e muitas outras e eu, confesso, nunca recuperei de tamanha tristeza.) Adiante!
E continua quando optamos por estudar direito e eles preferiam que estudássemos medicina.
E continua quando escolhemos para casar fulano e eles preferiam sicrano.
E continua quando lhes dizemos que vamos viver para outro continente e eles forçam para que não saiamos debaixo da asa protectora.
E continua, e continua...
Hoje sou mãe e avó e sem quaisquer dúvidas afirmo que nasci e morrerei na família certa. E mesmo que pudesse não escolheria outra.
Talvez o meu pai, futebolista amador, preferisse que eu tivesse nascido rapaz, hum, nem pensar (arrepiei-me só de imaginar...) ele amava-me com os meus vestidinhos de folhos e lacinhos no cabelo.
Já a minha mãe... bem, a minha mãe queria que eu casasse com um Carlos (tinha uns olhos verdes lindos de morrer e fomos amigos até ao fim da vida... dele, claro!) filho de uma grande amiga, e eu casei com um Vitor de olhos castanhos e doces. Doze anos mais tarde fiz-lhe a vontade, «descasei» do Vitor e casei com um Carlos... outro! Pensava eu que ela iria gostar mas qual quê, irritou-se como nunca eu tinha visto antes. E demorou a aceitar ver-me casada com um Carlos e a criar filhos de um Vitor. «Que confusão, que vergonha.», dizia ela. Eu sorria e ela virava-me as costas. Para sorrir escondida? Hum, penso que ela não sorria não! Estávamos os anos 80 do século passado, tá?!
Há certamente muitos pais desiludidos com os filhos, mas não haverá também filhos desiludidos com os pais? E com os irmãos, e com os tios, e com os primos, e com os avós?
Há sim acreditem, mas isso são outras histórias.
(Teresa Dias)
(foto da net)
Ainda bem que não podemos. Porque ia haver muita gente sozinha e o mundo seria de certeza muito pior. Está provado por A+B que somos péssimos a escolher. Deixemos pois que o acaso nos decida. Um Deus. A providência. Buda. Sei lá quem. Sempre é menos uma responsabilidade. E do resto logo se vê, nada de mudar o estatuto de origem à família.
ResponderEliminarA ÚNICA coisa que não podemos escolher na vida.
ResponderEliminarPorque até o momento de morrer podemos escolher.
Beijo
pois a familia essa é nossa e os amigos somos nos que escolhemos e por vezes sao muito melhor que a nossa familia bonito post bjs saude
ResponderEliminarO ser humano nunca está satisfeito mesmo. Apreciei muito ler.
ResponderEliminarDetestaria ter que escolher a família, Teresa. Mesmo aqueles familiares que prezo menos, fazem parte do grupo que constitui a minha família. Gosto dela assim... Mas a pergunta é pertinente.
ResponderEliminarCuida-te bem minha Amiga.
Um beijo.
Querida Teresa, não tenho certeza, mas será que a família que eu viesse a escolher não teria dissabor nenhum? Não teria as briguinhas de família com suas invejas e tudo o mais? Não, acho que a minha com seus defeitos ficaria com ela, todas as famílias têm seus defeitos, umas pessoas mais outras menos! A gente pensa nisso no momento dos 'rolos'. Meus pais tinham seus erros, mas e eu...?
ResponderEliminarGostei muito dessa abordagem!
Beijinho, querida!