05 outubro, 2018

"Barroco tropical" - José Eduardo Agualusa

Luanda corre a toda a velocidade em direcção ao Grande Desastre. Oito milhões de pessoas aos uivos, aos choros e às gargalhadas. Uma festa. Uma tragédia. Tudo o que pode acontecer acontece aqui. O que não pode acontecer, acontece igualmente. (...) Somos incrivelmente ricos. Produzimos metade dos diamantes vendidos no mundo. Temos ouro, cobre, minerais raros, florestas por explorar e água que não acaba mais. Morremos de fome, de malária, de cólera, de diarreia, de doença do sono, de vírus vindos do futuro, uns, e outros de um passado sem nome.
Em “Barroco tropical” (2009) José Eduardo Agualusa tece um retrato sarcástico da sociedade angolana, de Luanda em particular, no ano 2020.
A história/testemunho começa com uma mulher nua, negra, de braços abertos a cair do céu de Luanda, durante uma tempestade tropical. As únicas testemunhas do insólito facto são Bartolomeu Falcato (escritor e cineasta), e a sua amante Kianda (cantora com uma carreira internacional de sucesso), os narradores-protagonistas de uma sinuosa trama.
Bartolomeu aproxima-se do corpo enterrado na lama e reconhece Núbia, a modelo, jornalista, ex-Miss Angola, amiga da mulher do Presidente, acompanhante de políticos influentes e empresários endinheirados, com quem viajou de Lisboa para Luanda, cinco dias antes. Assustado, abandona o local com a amante, sem chamar a polícia. Não podiam ser vistos juntos.
À noite, em casa, no quadragésimo sétimo andar da Termiteira -  edifício construído na época da euforia do petróleo, destinado em particular à burguesia emergente e onde agora ricos e pobres partilham o mesmo espaço, como acontece lá fora, nas ruas da cidade, com a diferença de que aqui vivemos literalmente uns por cima dos outros - quanto mais ricos mas acima - Bartolomeu assiste na televisão à descoberta do cadáver e logo depois um homem sussurra-lhe ao telefone: - Fuja, se está em casa saia agora. Vão matá-lo. 
Assustado, recorda afirmações que Núbia fizera e que a serem verdadeiras justificaria que a tivessem atirado de um avião ou de um helicóptero. Ela sabia demais e foi certamente isso que a matou. Decide investigar e cruza-se com singulares e contraditórias testemunhas/personagens: Sangue Frio; Humberto Chiteculo; Benigno dos Santos (sogro de Bartolomeu); Bárbara Dulce (psicóloga, ex-mulher de Bartolomeu); Mouche Shaba (artista plástica); Rato Mickey (ex-António Taborda, sapador de rosto desfigurado); Mãe Mocinha (brasileira que procurou em Luanda um marido bonito e muito preto); Tata Ambroise (curandeiro), etc., etc., e com o Medo, a testemunha principal. Escrevo Medo assim, com maiúsculas, porque não estou a falar dos assuntos minúsculos com que as pessoas comuns convivem no dia-a-dia (...) estou a referir-me, em concreto, ao sentimento de permanente angústia e desamparo que aflige as pessoas com opiniões diferentes em países sujeitos a regimes totalitários.
O que descobre Bartolomeu? Sobrevive? Se tudo conta, mesmo com medo, é porque não morreu!
E o que é feito de Kianda a cantora de sucesso? Voa de palco em palco até ao voo final. Trágico!

Dos romances que já li de José Eduardo Agualusa este é o mais estranho e complexo. Não me desiludiu, mas lê-lo não foi tarefa fácil, devido aos saltos espaciais (África, Europa, América), aos muitos avanços e recuos temporais, à alternância de dois narradores, às dezenas de personagens de pequenas histórias, nem todas fundamentais para a narrativa principal.
Cheguei ao fim dos 25 capítulos aturdida mas, há que dizê-lo, fascinada pela beleza da escrita de JEA e mais conhecedora das forças e fraquezas dos seres humanos.
Um dia alguém pintou uma frase na parede do Aeroporto Internacional de Luanda: «Bem-vindo à Lua. Entre e deixe a razão lá fora.»

"Barroco tropical", de José Eduardo Agualusa
Ed. Quetzal, 2018
372 págs.

17 comentários:

  1. Uma leitura não simples, mas que vale, deixa aprendizados! Lindo fds! beijos, chica

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    1. Tens razão Chica.
      Eu por norma não desisto de um livro. Fácil ou difícil de ler sempre acabo por me surpreender e aprender. Com uns mais, com outros menos.
      Beijo e bom fim-de-semana.

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    1. Gracinha, lê que vais gostar.
      Um dia deste vais começar a ver no "Pétalas de Sabedoria" frases que tirei do romance. São muitas e belas!!
      Beijo e bom fim-de-semana.

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  3. Um grande escritor.
    Não li este livro mas, pelo que li nesta tua crónica, parece valer a pena.
    Obrigado pela sugestão.
    Teresa, um bom fim de semana.
    Beijo.

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    1. Jaime, só este ano descobri a prosa precisa, envolvente, belíssima de Agualusa. Estou encantada e vou ler tudo o o que dele encontrar.
      Esta não é uma leitura fácil, mas acredita que vale a pena.
      Dele tirei bastantes frases para o meu "Pétalas de Sabedoria". Quase gastei um lápis...
      Lê, poeta, vais gostar.
      Beijo e bom fim-de-semana.

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  4. Oi Teresa querida

    Parece uma leitura bem interessante, gostei e vou procurar saber mais sobre esse autor que ainda não conheço.


    Beijos
    Ani

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  5. Também tenho o livro...
    Já te tinha dito que não me seduz... gostos não se discutem.
    Tenho pena, conheço-o de pequenino.
    Tem um bom domingo, Teresa.
    Abraço amigo.
    ~~~

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  6. O seu blogue é um prazer para descobrir
    cumprimentos

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  7. Nunca li, mas vou tomar nota.
    Bom domingo!
    Isabel Sá
    Brilhos da Moda

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  8. Um livro deveras impressionante que retrata com precisão o que se passa nos paises ricos, paises onde a única coisa que falta é honestinada por parte dos governantes; é assim em Angola, é assim no Brasil, é assim na Venezuela e em tantos outros, Teresa. O povo morre de fome e nem sabe da existência de tanta riqueza natural tão preocupado que anda a ver se consegue um pão para a boca. E a propósito, do teu " É preciso que Deus acorde..." aqui mais uma vez digo que Deus está a dormir muito e nāo vê que os desprotegidos, as crianças morrem de doenças, de fome, morrem afogadas no Mediterrâneo, enquanto que os poderosos se " lambuzam " depois de encherem a barriga com as mais variadas iguarias que a natureza desses paises lhes oferece em abundância; dnchem a barriga e depois enchembos bolsos de ouro, diamanyes e outras preciosidades. Sabes, Teresa, não posso pensar em Deua, porque zango-me muito; prefiro referir-me à vida; a mim ninguém me disse que a vida é sempre boa e justa, mas ensinaram- me que Deus era um Ser perfeito, misericordioso e olhava por todos nós. Não sei por que olha por mim ( nāo tenho nem nunca tive grandes problemas ) e não olha por tanta criança que ainda nem sequer sabe o que é uma canção de ninar. Desculpa a minha franqueza, mas sou sempre sincera e ultimamente é assim que penso. O que fiz eu para ser tão abençoada ? Tenho a certeza que não fiz, nem mais nem menos do que tantas pessoas que conheço e outras tantas que desconheço. Como sempre te disse, aqui é um optimo lugar para escolhermos um livro para ler e este será um a comprar. Sou como tu, Teresa, nunca desisto de um livro, por mais dificil que seja a sua leitura. Amiga, daqui a pouco vou - te mandar um e-mail. Um abraço apertadinho e obrigada pelo belo post. Um bom domingo e uma semana ainda melhor
    Emilia

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    1. Emília, tu és abençoada e merecidamente - tens um coração luminoso e do tamanho do mundo. Ser tua amiga é um privilégio.
      Beijo e uma semana feliz e com pouco chorinho...

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  9. Já li alguns livros do Águalusa e é um autor de que gosto, vou tentar ler este Barroco Tropical, pois o que a minha amiga escreveu despertou-me a curiosidade.
    Um abraço e bom Domingo.

    Andarilhar
    Dedais de Francisco e Idalisa
    Livros-Autografados

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  10. (Ainda) não li.
    O autor passou por aqui e deixou muito boa impressão.
    Beijos, boa semana

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  11. Estou à espera de poder ler este livro. Gosto imenso deste autor angolano, o José Eduardo Agualusa.
    Gostei da síntese que faz.
    Uma boa semana.
    Um beijo.

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  12. Não li o livro, mas me pareceu muito interessante, despertou a curiosidade, bastante. Boas sugestões por aqui. Um abraço, Teresa.

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