05 setembro, 2014

"Felizes os felizes" - Yasmina Reza

“Felizes os amados e os amantes e os que podem prescindir do amor.
Felizes os felizes.”
(Jorge Luis Borges)
Um casal é a coisa mais impenetrável do mundo. Não conseguimos compreender um casal, nem mesmo quando fazemos parte dele.
Quem o diz é Jean Erhenfried, um dos dezoito personagens-narradores deste romance, ou melhor, deste rendilhado de momentos íntimos, estranhos, angustiantes e hilariantes, da vida a dois.
São vinte e um capítulos. São vinte e uma histórias fascinantes, sobre o amor, a amizade, a tristeza, a dor, a mentira, a hipocrisia e a fragilidade das relações humanas. Histórias que mostram que os sentimentos são mutáveis e mortais. Como todas as coisas na Terra.
De início tomei-as por histórias independentes, mas logo percebi que as personagens “saltitavam” de história em história, como familiares, amigos, colegas, amantes, ou  apenas conhecidos dos outros narradores.
O painel de personagens-narradores, que tudo contam sobre si mesmos, é brilhante - "... elas são atormentadas, cheias de raiva, histéricas, coladas a um quotidiano que já não controlam; eles, obcecados por um futuro que não conseguem imaginar, um futuro de desejos gorados, doenças e crises… “.
Interessante é irmos percebendo que o retrato que cada um "pinta" de si mesmo, vai sendo retocado pela visão dos outros. Para melhor ou para pior, nada escapa.
Odile Toscano, convive mal com os silêncios de Robert , o marido.
Devia um dia estudar-se este silêncio noturno, típico das viagens de carro nos regressos a casa, após se ter exibido a felicidade à frente do público, um misto de arregimentação e de mentira autoinfligida.
- Philip Chemla, o médico homossexual que pergunta aos jovens amantes: esbofeteias-me?
O que realmente desejo não pode ser enunciado. Ser esbofeteado, oferecer a face aos golpes, pôr à disposição os meus lábios, os meus dentes, os meus olhos, e depois subitamente ser acariciado quando não estou à espera, e de novo esbofeteado a bom ritmo...
- Ernest Blot, o idoso hesitante sobre o lugar onde deverão deitar as suas cinzas.
… gostaria de me fundir numa corrente…. Ou então no mar. Mas o mar é demasiado grande (e tenho medo dos tubarões). Digo a Jeannette, queria que tu lançasses as minhas cinzas num curso de água mas ainda não escolhi qual… Não posso ter uma conversa séria com a minha mulher... no interior de um casamento onde tudo vira tribunal.
- Jeannette Blot, a complicada mulher de Ernest Blot.
Ernest Blot, o meu marido, é parecido com aquelas sombras da noite. Pérfido, mentiroso, desprovido de piedade. Eu própria devo ser retorcida para ter querido ser amada por aquele homem... Deixei passar quarenta anos. Vivemos na ilusão da repetição, como o dia que se levanta e se deita.
É sério, divertido, diferente e delicioso este romance de Yasmina Reza. E muitíssimo bem escrito.
Aconselho vivamente!

Para ou Pára?
Abomino o Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.
"- Nada me enerva mais do que estes atritos súbitos em que tudo para, e que tudo petrifica.
- … quando ela para a meio dos condimentos com um ar apalermado de ofendida e infeliz.
- O carro empina, bate e raspa na barreira branca. Depois para.
- Marguerite para defronte de uma casa baixa com janelas emolduradas por tijolos vermelhos."
Que confusão!

Felizes os felizes, de Yasmina Reza
Tradução de Ana Cristina Leonardo
Ed. Quetzal, 2014
144 págs.

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