O que sabemos sobre a vida? Nada que seja real.
Este romance de Sándor Márai – o último que escreveu antes do exílio - divide-se em duas partes.
Na primeira parte, um escritor (narrador do romance) relata a sua estadia numa albergaria isolada nas montanhas da Transilvânia, e o reencontro com Z., o famoso Z., o célebre e laureado pianista e compositor húngaro que uma doença rara afastou dos palcos.
O mau tempo de meados de Dezembro, com avalanches de neve, uma chuva misturada com granizo e muito nevoeiro, “aprisionava” na albergaria os poucos hóspedes, apenas sete, o dono e a mulher, duas criadas e um pastor, que no inverno ajudava como criado.
Os hóspedes esperavam e desesperavam, naquele castigo forçado. Passavam o dia na sala escura e húmida a fumar, conversar, jogar às cartas, ouvir no rádio de pilhas as notícias sobre a guerra, as cidades destruídas, os milhares de mortos.
… já não havia paciência e a boa vontade também parecia esgotar-se.
Aquele isolamento, terminará no dia de Natal, o terceiro desde que começara a Segunda Guerra, depois de um casal de amantes, de meia-idade, ambos casados, com filhos, cumprir, no melhor quarto da albergaria, o triste desejo de arrumar a desordem da vida. São encontrados deitados na cama, lado a lado, serenos, ele morto, ela ainda consciente. Não resistirá.
Dias depois, já no exterior da albergaria, o escritor cruza-se com Z.. Falam sobre a estranha doença, diagnosticada no início da guerra, que o afastou dos palcos: Nunca mais vou dar consertos… Simplesmente, não posso voltar a tocar. Nunca mais.
Passados alguns meses, o escritor lê num jornal a notícia do falecimento de Z., na Suíça. Três semanas depois, recebe um envelope com o espólio de Z.. Dentro está o relato detalhado e comovente da dolorosa doença que o impediu de voltar a tocar, do longo internamento no hospital de Florença, e da sua relação com E., uma mulher casada que ambos conhecem.
A reprodução integral do manuscrito, onde Z. reflecte sobre as questões da vida e da morte, sobre as grandes emoções que movem o homem, como a fé, o amor e a paixão, é a segunda parte deste romance.
No auge da sua carreira de pianista e compositor, Z. é convidado pelo governo italiano para visitar e tocar em Florença. O convite é feito através do embaixador do país, um homem estranho que ele conhecia da casa de E, uma das casas do círculo fechado e hermético da “alta sociedade”, que ambos frequentavam. Há bastantes anos que Z. mantinha uma estranha relação com E. e o marido. Muitos viam ali um triângulo amoroso – um artista célebre, uma mulher formosa e culta e um marido diplomata, já um pouco velho. Pensaria o mesmo o embaixador e daí o convite e o encorajamento a viajar e a dar concertos?
Z. aceita o convite - depois de se aconselhar com E. e o marido - e parte.
A guerra está longe. Os jornais noticiam a queda de Varsóvia. O comboio aproxima-se da fronteira italiana e Z. é acordado às quatro horas da manhã. Senta-se no beliche. Sente uma tristeza profunda.
Já em Florença, onde é recebido com honras de convidado do estado, sozinho no quarto do hotel, como se estivesse definitivamente só no universo, continua sem perceber o que lhe aconteceu no comboio.
À noite, no concerto, não sabia se tocava bem ou não… estava no palco pela última vez, como quem morre e volta a nascer…
No final da actuação diz sentir dores atrozes. É levado ao hospital.
- Qual é a minha doença? - Vou ficar paralisado?
- A doença que tem não é nada comum mas, de certeza, um dia ficará curado…esta doença é uma prova de paciência.
Seguem-se três meses de internamento, e de contacto diário com profissionais conhecedores da sua estranha enfermidade: o médico (o professor), o médico assistente e quatro irmãs-enfermeiras.
Com o médico Z. terá intensos e interessantes diálogos:
- O senhor ... teve durante quarenta anos, uma relação extremamente íntima com a música. Nem os deuses conseguiriam aguentar isso.
- Mas o que me sugere para substituir a música?
- Vire-se para a vida…
Certa noite, no torpor de mais uma injecção de morfina, Z. escuta, ao lado da cama, uma voz feminina sussurar: “Não quero que morra”.
- Porque é que não quer que morra?
Seguiu-se um silêncio longo… um silêncio que o ajudou a entender o passado e a repensar o futuro, já que finalmente percebeu que não era completamente inocente em relação à doença….
Mattutina, Cherubina, Charissima, Dolorissa, as ajudantes silenciosas, os anjos celestes, uma delas é a Irmã do título deste romance.
Descubra qual é e “perca-se” numa história extraordinária sobre o mistério da vida.
A vida é um veneno, quando apenas serve para a vaidade, a ambição e a inveja…
Fabuloso!
“A irmã” – Sándor Márai
Tradução de Piroska Felkai
Ed. D. Quixote, 2013
213 págs.
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