Ver e olhar são um mistério, tal como um grande mistério é o facto de existirmos.
“Viagens” (livro vencedor do International Man Booker 2018, da escritora polaca Olga Tokarczuk, psicoterapeuta, formada em Psicologia, Prémio Nobel de Literatura 2018) é um livro original, fascinante, arrebatador, que nos prende da primeira à última página
Uma construção narrativa feita de pequenas histórias, pensamentos, citações, informações enciclopédicas, anotações, divagações, desabafos, reflexões, crónicas, factos históricos, narrativas autobiográficas, ficcionais, instruções de uso, palestras, curiosidades, etc..;
Uma exploração do sentido de ser um viajante em viagem constante através do espaço e do tempo;
Uma reflexão sobre o corpo humano, a vida, a mente, a morte e o movimento. De onde provimos? Para onde vamos ou regressamos?
Uma «viagem» contínua, «tudo o que estagna acabará por sofrer decomposição, degeneração e transformar-se-á em pó, enquanto aquilo que está em movimento consegue durar eternamente».
Um «rastrear de erros da criação e desacertos da natureza», diz a autora.
Partilho excertos de alguns dos inúmeros textos, e começo pelo primeiro, que ocupa apenas uma página (há outros mais pequenos). Atentem na capacidade imaginativa e na linguagem própria, acessível, poética.
(Existo)
“Nada acontece. (…)
Aquele final de tarde é a orla do mundo – tacteei-a por acaso e sem querer, quando estava a brincar. Descobri-o porque me deixaram sozinha por um instante e não o acautelaram. Claro está que acabei presa, numa armadilha. Tenho apenas alguns anos, estou sentada no parapeito da janela, observo o pátio frio. As luzes da cozinha da escola estão desligadas. Já se foram todos embora. As lajes de betão do pátio mergulharam na escuridão e deixei de as ver. Portas fechadas, toldos recolhidos, estores descidos. Queria sair, mas não tenho para onde ir. Somente a minha presença adquire agora contornos bem definidos, contornos que estremecem, ondulam, e isso dói. E, subitamente, descubro a verdade: não há nada a fazer – existo.”
(O Mundo na Cabeça)
“O meus pais não eram verdadeiros viajantes porque viajavam para regressar. (…) Depois, durante todo o ano, levavam uma vida sedentária, aquela vida estranha, em que de manhã se regressa àquilo que se largou à noite (…) Pelos vistos, não herdei o gene que faz com que as pessoas criem raízes, quando permanecem muito tempo no mesmo lugar. Já tentei várias vezes, mas as minhas raízes são sempre superficiais e qualquer brisa é capaz de me arrancar da terra. Não sou capaz de germinar, fui desprovida dessa faculdade vegetal. (...) A minha energia provém do movimento – da trepidação dos autocarros, da zoadeira dos aviões, da oscilação dos comboios e dos barcos."
(La Mano de Giovanni Battista)
“Existe mundo em demasia. (…)Parece que nada mais nos resta a não ser aprender a fazer escolhas até ao fim. E ser como aquele viajante que conheci num comboio nocturno e me disse que, de vez em quando, precisava de visitar o Louvre e de permanecer diante do único quadro que, na sua opinião, realmente merecia ser contemplado. Deter-se diante do quadro de João Baptista e seguir com o olhar a direcção indicada pelo dedo erguido do Santo."
(Estou)
"Cresci e evoluí. No princípio quando acordava em lugares estranhos pensava que estava em casa (…) Todavia, logo a seguir, entrei na fase que a Psicologia da Viagem designa como «Não sei onde estou». (…) A próxima etapa é a terceira, segundo a Psicologia da Viagem, é a etapa da viagem-chave, da viagem-coroa, aquela que constitui a meta final. Para onde quer que viajemos, viajamos sempre em direcção a ela. «Não importa onde estou». Onde estou – tanto faz. Estou.”
Existem dois pontos de vista acerca do mundo: a perspectiva da rã e a vista do pássaro em pleno voo. Qualquer ponto entre estes dois só serve para gerar o caos.
Este livro é diferente de tudo o que já li.
É mágico! É lindo! É perfeito!
E eu recomendo-o.
Viagens (2007), de Olga Tokarczuk
Tradução de Teresa Fernandes Swiatkiewicz
Ed. Cavalo de Ferro, 2019
343 págs.
ando muito afastada da música..
ResponderEliminarIsabel Sá
Brilhos da Moda
Tenho esse livro à minha espera na estante.
ResponderEliminarLi um livro de contos de Olga Tokarczuk, que mão atirou fora da cadeira.
Aproveita o verão, Teresa, ainda não sabemos como vai ser o outono.
Totalmente me identifiquei aqui. Vivo momentos parecidos.
ResponderEliminarParece muito interessante.
ResponderEliminarAbraço e saúde
Anotado, pois ainda não li nada desta autora.
ResponderEliminarBoa noite, Teresa. :)
Querida Teresa, por mais que tente, não conseguirei acompanhar-te nas leituras. Já comprei um afiador, o lápis está com a ponta finissima, juntinho dos livros que tenho para ler, mas sempre me diz que quem tem de pegar nos livros sou eu, não ele; ele não pode fazer o trabalho sozinho por mais afiadinho que esteja. Olha dia 8 vou para o Algarve, mas, devido à pandemia, alugamos uma casa, perto da prais e com piscina só para nós; vou levar os livros, mas onde terei o tempo para ler? Já viste, comer em casa e com a sapequinha. Um abra da Beatriz que não pára un segunda e não gosta de obedecer? Vai ser uma casa cheia de gente, mas o trabalhinho vai ser muito. Costumava ir para Vila Moura, p o Crowne Plaza, mesmo junto do casino ( 1 semana ) e aí sim, eu tinha férias e lia bastante, mas este ano vai ser muito diferente. De qualquer modo, os livros vão comigo e, se não conseguir lê-los, pelo menos sairam de casa, como a dona. Amiga do coração, não vou anotar o nome deste livro, porque sei que tenho o nome dele no teu rol e enquando não " der cabo destes " que estão em cima da mesa, não comprarei outros. Obrigada pelas " dicas " sempre interessantes e desejo-te tudo de bom, sempre com SAÚDE e boas leituras. Sabes, estou com muitas saudades de abraçar os meus filhos e os meus netos mais velhos que, tadinhos, ficam com medo de contagiar os avós A pequenininha, essa tem sido a nossa alegria e os abracinhos têm sido muitos. Uma tristeza este virus, querida Teresa e, confesso, ando muito desanimada e com algum receio. Bem...temos de aguentar, não é verdade?
ResponderEliminarUm abração do tamanho do mundo e carregadinho de amizade. Cuida-te, sim?
Emilia
Ora bem, tu vais descer e eu irei subir... lá mais para o final do mês. 4º aniversário de neta e 45º do filho são para celebrar, mesmo em tempo de pandemia.
EliminarEmilia, tenta descansar, arranja um tempinho para leres, diverte-te, partilha tarefas, na cozinha opta por coisinhas simples e rápidas, nada de receios, abraça muito. Vai tudo correr bem!
Abraço apertadinho, querida amiga. Beijoquinhas para a pequenina.
BOAS FÉRIAS!!
Mais uma sugestão que registo com todo o agrado.
ResponderEliminarBjs
Olá Teresa querida
ResponderEliminarAdorei a dica, parecer ser bem interessante.
Beijos
Ani
Não gostei assim tanto do livro. Esperava mais. Ainda vou ler outro só para ter ideia mais acertada acerca da autora.
ResponderEliminarQuerida Teresa, que bom que vibres com certas leituras! Esse livro faz minha cabeça, gosto desses temas que nos puxam, que nos levam a mergulhar mais fundo.
ResponderEliminarVi que a autora é psicoterapeuta, vai no âmago das questões. Tomei nota, mas não vai ser pra já, mas gosto de colocar o bloquinho na bolsa, nunca sei quando entro numa livraria... Ainda mais agora nesse pandemônio.
Beijo, amadinha, uma boa semana!
Aqui as coisas ainda não foram para o lugar, a coisa está difícil, esperamos a vacina para todos ficarem mais tranquilos.
Até mais!
Li e gostei.
ResponderEliminarUm abraço e continuação de uma boa semana.
Andarilhar
Dedais de Francisco e Idalisa
O prazer dos livros
Quero muito ler a Olga Tokarczuk, mas ainda não comprei nenhum dos livros porque nunca sei qual escolher. Obrigada pela sugestão e desejo uma boa semana!
ResponderEliminarFiquei interessada no livro e vou adquiri-lo. Estes excertos são lindos. É como diz o nosso Cardeal Poeta: A experiência da viagem é a experiência da fronteira e do aberto de que o homem precisa para ser ele próprio...
ResponderEliminarMuita saúde, minha querida Amiga Teresa.
Um beijo.
Dela ainda só li o "Conduz o teu Arado sobre os Ossos dos Mortos" e gostei imenso: é um livro surpreendente em muitos aspectos, impossível de classificar e de leitura imparável.
ResponderEliminarÉ uma autora que quero continuar a ler, sem dúvida.
Boas férias, Teresa.
🌻
Estou a ler "Conduz o teu Arado sobre os Ossos dos Mortos" e sim é surpreendente e cativante.
EliminarMaria, leia "Viagens".
Beijo.