Numa tarde de novembro de 1954, uma semana antes do Dia de Ação de Graças, mesmo ao anoitecer, Willard chegou de carro a Clark’s Hill, estacionou junto à vedação e subiu a pé o carreiro de acesso ao jazigo da família (…) baixou as abas do boné e ali, diante das campas da sua irmã Ginny, e da sua neta Lucy, e dos retângulos reservados para os restantes membros da família, esperou. Começou a nevar.
Estava à espera de quê?
“Quando ela era boa” – terceiro romance de Philip Roth, um drama familiar originalmente publicado em 1967 – conta a história comovente, intensa e arrebatadora de uma família humilde, numa cidadezinha provinciana do Centro Oeste americano, na primeira metade do século XX.
Em casa de Willard Carroll e Berta reina a tranquilidade e a felicidade. Felicidade que aumenta quando nasce Myra, a filha de saúde frágil, discreta e tímida, estudante de música e mais tarde professora de piano. Tudo muda quando Mary, já casada com Whitey Nelson, um alcoólico, ignorante, cobarde, ladrão, oportunista, ciumento e violento, volta para casa dos pais com o marido desempregado e a filha de três anos, Lucy Nelson, a protagonista da história. É ela que aos quinze e anos, farta da violência do pai e da passividade da mãe, liga à polícia e fica a vê-lo ser levado para a prisão.
… os meus pais são horríveis. Não sou eu que penso – é a verdade!
Lucy não se livrou de um sermão do avô Willard.
«Nesta casa somos pessoas civilizadas e há certas coisas que não fazemos (…) não somos nenhuma escumalha, e tu tens de te lembrar disso.»
«Cá em casa, Lucy, conversamos com a pessoa. Mostramos-lhe o caminho certo.»
«E se a pessoa não o conhecer?»
«Olha Lucy, não a mandamos para a prisão! A questão é só essa. Está percebido?»
(Anos mais tarde, ela dirá ao avô que ele não podia proteger as pessoas da fealdade da vida passando-lhe por cima uma camada de verniz.)
Depois disso, Lucy, a jovem de bom coração, inteligente, sensível, impiedosa e moralista que fingia que tinha uma família normal, mesmo depois de ter começado a perceber que isso não era verdade, decide regenerar os homens que a rodeiam.
Começa por Roy Bassart, o namorado, dois anos mais velho do que ela mas muito infantil. Ama-o? Casa com ele? Lucy tem dezoito anos e não, não quer casar-se com ele. Ou quer? Talvez, mas só porque está a crescer alguma coisa dentro do seu corpo, e sem a sua autorização.
O resto é para você descobrir… lendo, claro!
O enredo de “Quando ela era boa” é inteligente, os personagens brilhantes, a escrita de Philip Roth, irrepreensível, mas…
Se as primeiras 57 páginas emocionam e cativam - conhecemos o avô Willard Carroll, um “homem bom”, filho de pai feroz e ignorante e de mãe trabalhadeira com mentalidade de escrava, que abandona a casa dos pais aos dezoito anos e vai ao encontro do mundo civilizado; que sabe o que quer e o que não quer: não ser rico, não ser famoso, não ser poderoso, nem sequer ser feliz, mas ser civilizado... não viver como um selvagem; chega a Liberty Center em 1903, arrenda um quarto, consegue um emprego nos correios, casa com uma rapariga decente, determinada e respeitável, compra uma casa pequenina, tem uma filha, é promovido a sub-chefe, renova a casa, vê a filha casar com um alcoólico violento, recebe-a de coração aberto quando ela necessita de apoio e... nunca esquece Ginny, a irmã internada num lar para deficientes mentais...
... as restantes 302 - relato da vida familiar e estudantil de Lucy, da sua relação com as amigas, do amor por Roy e do ódio pela família dele - estafam de tanta repetição. Tudo podia ser dito em metade das páginas. Penso eu.
Philip Roth jamais me desiludirá mas… desta vez cansou-me. A sério!
Quando ela era boa, de Philip Roth
Tradução de Francisco Agarez
Ed. D. Quixote, 2016
359 págs.
Não li esse livro, Teresa, mas essa tua narração nos leva a ver que é a vida como ela é , plagiando nosso escritor Nelson Rodrigues, que conta em textos curtos exatamente igual a alguns que contam em muitas páginas, descrevendo com certo cansaço ao leitor o que poderia dizer em poucas páginas. Estou hoje arrumando uma pequena parte da estante (vou aos poucos) e gosto de juntar os livros por assunto - outros gostam de arrumá-los por autor, e vi que tenho vários que falam nos relacionamentos familiares, pais e filhos etc. É pano pra manga, amiga, você sabe, eu sei. E o melhor da história é que somos pessoas esclarecidas nesse quesito, sabemos dos porquês das coisas. Gostamos de furungar esses temas, pelo menos eu adoro!
ResponderEliminarAtualmente estou lendo um livro bem gostosinho: Como lidar com pessoas que te deixam louco - de Paul Hauck, membro da Associação Americana de Psicologia.
Não deixa de ser um meio de proteção para vivermos nessa sociedade meio maluca, né amiga? (rs)
Beijo grande!
Sabes Taís, eu cada vez gosto mais de ler contos, pequenas histórias onde tudo é dito com pouco palavras. E, como tu, gosto de "escarafunchar" o tema família.
EliminarNa minha estante os livros estão arrumados (ou desarrumados?) por autores. Já experimentei arrumá-los por assunto e não resultou...
Deve ser interessante esse livro de Paul Hauck. Não conheço. Vou espreitar numa livraria. Preciso de acalmar. Nesta selva que é a vida, há gente que me deixa louca.
Beijo e bom fim-de-semana.
rssss, gostei do 'preciso de acalmar'! O mundo está um hospício, amiga!!
EliminarBeijinho, um ótimo fim de semana.
Este mês já esgotei o meu quinhão para compra de coisas agradáveis. Para o mês que vem logo se vê.
ResponderEliminarOlá Bea,
EliminarPara o mês que vem... compra outro, ok?!
Boa semana.