07 agosto, 2015

Vida e morte, em... "Manual de pintura e caligrafia" - José Saramago


“Entre morte e vida, entre grafia de morte e grafia de vida, vou escrevendo estas coisas, equilibrado na estreitíssima ponte, de braços abertos agarrando o ar, a desejá-lo mais denso – para que não fosse ou não seja demasiado rápida a queda.”

“Tudo é vida vivida, pintada, escrita: o estar vivendo, o estar pintando, o estar escrevendo: o ter vivido, o ter escrevido, o ter pintado.”

“Tenho (ou tive na adolescência, e ainda me resta) a obsessão da morte, ou não tanto da morte mas do morrer. Não sei se o diria assim cruamente, considerando que ninguém gosta de confessar cobardias, e esta é a maior de todas, precisamente porque nos acomete a sós, em silêncio e às vezes em completa segurança: antes de adormecer, quando o quarto perde as suas dimensões e nem os móveis ameaçam, sem qualquer inimigo que ali diante dos olhos nos aponte devagar uma arma ou aproxime a ponta de uma faca. Provavelmente não o diria.”


“Transcrevendo, copiando, aprendo a contar uma vida, de mais na primeira pessoa, e tento compreender, desta maneira, a arte de romper o véu que são as palavras e de dispor as luzes que as palavras são.”


“A minha vida é uma impostura organizada discretamente: como não me deixo tentar por exagerações, fica-me sempre a segura margem de recuo, uma zona de indeterminação onde facilmente posso parecer distraído, desatento, e, sobretudo, nada calculista. Todas as cartas do jogo estão na minha mão, mesmo quando não conheço o trunfo: é certo que pouco ganho quando ganho, mas as perdas também são mínimas. Não há grandes e dramáticos lances na minha vida.”

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