Ela sai apressada de casa, com um casaco pesado de mais para o tempo que estava. É o ano de 1941. Começou outra guerra. Deixou um bilhete para Leonard e outro para Vanessa. Caminha decididamente em direcção ao rio, segura do que vai fazer…
Ela é Virgínia Woolf, a escritora inglesa que numa manhã de Junho saiu de casa, caminhou até ao rio, entrou na água com os bolsos cheios de pedras, e afogou-se.
Michael Cunningham conta no Prólogo a caminhada para a morte da autora de "Mrs. Dalloway”, romance que escolheu para fio condutor das três histórias de “As Horas”.
Três histórias. Três mulheres. Três vidas em luta com as reivindicações contraditórias do amor, do passado, da esperança e do desespero. Três braçadas de flores.
A acção, concentrada num único dia de Junho, passa-se em três tempos e espaços diferentes.
Subúrbios de Londres, 1923
Virgínia Woolf acorda, no seu quarto em Hogarth House. Ela sonhou com um jardim e sonhou com uma frase para o seu novo livro. Que frase. Flores, alguma coisa relacionada com flores.
A recuperar de um colapso nervoso, ela tem dois desejos: voltar a Londres e terminar a história de "Mrs. Dalloway". Escrever… é a mais profunda satisfação que conhece, mas o seu acesso a ela vai e vem sem avisar. Pode pegar na caneta e segui-la com a mão enquanto se move pelo papel; pode pegar na caneta e descobrir que é meramente ela própria, uma mulher de roupão segurando a caneta, receosa e hesitante, apenas moderadamente apta, sem nenhuma ideia acerca de por onde começar ou do que escrever. Pega na caneta. Mrs. Dalloway disse que compraria ela mesma as flores.
Nova Iorque, no fim do século XX
Clarissa Vaugham, editora literária, caminha apressada pelas ruas de Manhattan. Vai comprar flores. Prepara uma festa de homenagem a Richard, o poeta doente, uma angustiada voz profética das letras americanas, o seu melhor amigo e ex-companheiro. O homem que no passado ela roubou a outro homem.
Um dia, Richard tocou-lhe no ombro e disse carinhosamente: «Olá, viva, Mrs. Dalloway.» Ela tinha dezoito anos. Agora, com 52 anos acabados de fazer, a eterna Mrs. D, vive com a namorada Sally, e a problemática filha adolescente.
Um dia, Richard tocou-lhe no ombro e disse carinhosamente: «Olá, viva, Mrs. Dalloway.» Ela tinha dezoito anos. Agora, com 52 anos acabados de fazer, a eterna Mrs. D, vive com a namorada Sally, e a problemática filha adolescente.
Los Angeles, 1949
Laura Brown, dona de casa insatisfeita, grávida do segundo filho, leitora incessante. Gosta de ler na cama, de manhã. Anda a ler Virgínia Woolf, tudo quanto há de Virgínia Woolf, livro por livro. Tem de levantar-se cedo. É o aniversário do marido. Marido perfeito. Tem de fazer o melhor bolo. Tem de comprar flores. O bolo não sai bem. Faz outro bolo. Sai de casa. Deixa o filho com uma amiga. Conduz o Chevrolet. Na cidade, entra num hotel e pede um quarto. Quarto 19. Põe o exemplar de Mrs. Dalloway no tampo de vidro da mesa-de-cabeceira e estende-se na cama. O quarto está impregnado do silêncio especial… está tão longe da sua vida. Foi tão fácil. Parece, não sabe porquê, que saiu do seu mundo e entrou no mundo dos livros.
Se o início deste romance é real e comovente, o final é ficcionado, inesperado, doloroso.
Não, não. Não digo!
Digo apenas que é excelente este romance de Michael Cunningham. Se ainda não leu, não sabe o que perde.
Quando terminei a leitura de “A Rainha da neve” (2014), de imediato decidi reler em 2015 todos os romances deste autor. Mais, decidi que “As Horas” (1998) seria o primeiro romance a aparecer no novo ano do meu “rol de leituras”, mesmo se sobre ele já praticamente tudo tenha sido dito, escrito e mostrado em filme. E que filme!
Decidi e cumpri.
(Comecei bem o ano...)
As horas, de Michael Cunningham
Tradução de Fernanda Pinto Rodrigues
Ed. Gradiva, 2000
226 págs.
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