… a imagem do mundo é tudo o que os homens conhecem do mundo, e esta imagem do mundo é perigosa.
Diz a sinopse:
A Travessia tem por cenário os ranchos do sul dos EUA durante os anos que antecederam a II Guerra Mundial e narra as aventuras de Billy Parham, de dezasseis anos, e do seu irmão mais novo, Boyd.
Fascinado por uma ardilosa loba que tem atacado a propriedade da família, Billy captura o animal. Mas, ao invés de o matar, parte em busca da sua origem – as montanhas do México – com o intuito de o devolver ao seu ambiente natural.
No regresso, Billy depara-se com um mundo irreversivelmente mudado. A perda da sua inocência tem um preço e, mais uma vez, o horizonte brilha com a sua desoladora beleza cruel e promessa.
Paulo Faria, o tradutor, escreveu no excelente prefácio:
Nunca como aqui foi tão patente que a escrita de Cormac McCarthy é ela própria uma viagem que nos leva até ao mais fundo de nós mesmos, uma jornada pelos meandros do nosso destino…
... a lição de uma vida nunca se basta a si mesma.
... a lição de uma vida nunca se basta a si mesma.
Este é o mais longo dos romances de McCarthy. O tema é o mesmo de outras obras do autor: a crueldade do ser humano, a dureza da vida, a luta pela sobrevivência, a violência do mundo selvagem, a descoberta do mundo que nos rodeia, a busca dos valores no íntimo de cada homem.
De todos os que já li dele, este é o mais comovente e…o menos violento.
As personagens são espantosamente bem construídas e reais. Destaco a principal, Billy Parham, o rapaz de dezasseis anos que fala com os animais, o vaqueiro solitário, obstinado e corajoso, que tem a estranha ideia de levar para as montanhas do México a loba que apanhou numa armadinha e que transportava no ventre a sua primeira ninhada. Inesquecível!
É uma leitura que aconselho a quem gosta de longas, encadeadas e pormenorizadas histórias.
Se ainda não se iniciou na leitura de McCarthy comece por este romance e deixe-se enlear por uma história empolgante e uma escrita poderosa, cativante e viciante.
Os diálogos são assombrosos. Repare só:
Isso é um lobo, caramba.
É, sim, senhor.
…
Rapaz, o que é que se passa contigo? Se essa criatura se solta desse açaimo, come-te vivo.
Sim, senhor.
O que é que ‘tás a fazer com ele?
Não é ele, é ela.
É o quê?
É ela. É uma loba.
Co’a breca, não faz diferença nenhuma se é ele ou ela. O que é que ‘tás a fazer com essa criatura?
‘Tou-me a preparar prà levar para casa.
…
Pra que é que ‘tás a levar esse animal pra casa?
É assim a modos que uma longa história.
Bom, eu cá gostava imenso de a ouvir.
…
E sempre foste maluco?
Não sei. A verdade é que até hoje ainda não tinha sido posto à prova, a bem dizer.
Que idade tens?
Dezasseis.
Dezasseis.
Sim, senhor.
Bom, tu não tens o juízo que Deus dá a um ganso. Sabias?
Talvez o senhor tenha razão.
Como é que esperas que o teu cavalo tolere um disparate deste tamanho?
Caso eu lhe consiga deitar a mão, não lhe vou pedir opiniões sobre o assunto.
Fazes tenção de levar esse animal à corda atrás do cavalo?
Faço, sim, senhor.
E como é que esperas obrigar a loba a fazer isso?
Também não lhe vou deixar grande escolha na matéria.
Fabuloso, não?
Fabuloso, não?
Termino com uma das marcas de McCarthy: a utilização excessiva (mas não repulsiva) do “e”:
Ele ia dando palmadinhas no cavalo e falava com ele e baixou o braço e soltou a fivela do estojo da sela e retirou de lá a espingarda e desmontou e deixou cair as rédeas.
Foi, derramada (roubei ao autor) no meu sofá, que saboreei este romance.
Gostei!
A Travessia, de Cormac McCarthy
Relógio d’Água, 2012
Tradução de Paulo Faria393 págs.
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