20 janeiro, 2012

"Nas trevas exteriores" - Cormac McCarthy

Que necessidade tem um homem de ver o seu rumo, se afinal de contas não há modo de lhe fugir?
Em meados de 2011 foi, finalmente, publicado em Portugal o segundo romance de Cormac McCarthy, Outer Dark no original (1968).
Demorei a lê-lo, demorei a compreende-lo, demorei a sair das trevas e a reencontrar a luz.
Pode o teor de um livro deixar-nos tão desconfortáveis que o fechamos e pensamos “desistir”, mas algo nos força a “resistir?
Pode, se o livro for de um autor genial, que como poucos utiliza as palavras de forma dura, crua mas precisa,  para descrever a tragédia humana, numa progressão dramática que desconcerta o leitor, mas o prende da primeira a última linha.
A acção deste romance / fábula tem lugar algures no sul dos Estados Unidos (sempre os lugares indefinidos) e começa com o nascimento de uma criança, fruto da relação incestuosa dos irmãos Culla e Rinthy Holme, que vivem escondidos numa cabana fria e pobre no meio da floresta.
Após o parto, e enquanto a irmã dorme, Culla sai para as trevas da noite fria com o menino e abandona-o junto de um bosque de choupos.
Culla tenta convencer a irmã de que o menino morrera após o parto mas ela não acredita e obriga-o a mostrar-lhe o lugar onde o enterrou. O menino desaparecera.
Rinthy, andrajosa, descalça e transtornada, abandona o irmão e penetra na luz do sol, deambulando de terra em terra em busca do filho.
Não andas fugida dalgum lugar, ou andas?
Não, disse ela. Nem sequer tenho um lugar donde possa fugir.
Culla Holme parte depois em busca da irmã e é o relato da errância de ambos por caminhos separados e perigosos, até ao encontro com um cego, que parece apontar o caminho da salvação, que mantém o leitor perturbado e à espera de uma apocalítica resolução.
Pra ondé que tu ias, vamos lá a saber?
Para lugar nenhum, respondeu Holme.
Para lugar nenhum.
Isso.
Ainda és capaz de lá chegar, comentou o homem.
Termino com uma frase do prefácio do tradutor Paulo Faria: “A leitura de Nas Trevas Exteriores é, acima de tudo, uma experiência de genuíno desconforto físico, e a intensidade deste desconforto traduz a exacta medida da mestria literária de Cormac McCarthy”.
Confirmo!

Nas trevas exteriores, de Cormac McCarthy
Relógio d’Água, 2011
Tradução de Paulo Faria
213 págs.

4 comentários:

  1. Tenho que ler Cormac McCarthy o mais breve possível. «A Estrada» um dos livros do autor, já li opinioes muito positivas acerca.

    Já leu Teresa?

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  2. Olá Miguel,
    Já li e gostei. Já vi o filme e não gostei.
    O primeiro livro que li de McCarthy foi "Meridiano de sangue" que apesar de super violento me deixou de tal modo encantada que devorei de seguida todos os livros do autor.
    Se tiver oportunidade comece por esse livro e deixe "A estrada" para depois.

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  3. Teresa,
    já terminei a leitura desta obra, a opinião está lá no meu cantinho.
    Acredito que poderá não ter sido a escolha mais exemplar do potencial do autor mas não posso dizer que não tenha gostado.
    Gostei bastante da sua opinião e da forma como a coloca.
    Subscrevo a questão do desconforto físico... estive sempre à espera que algo terrível sucedesse. :)
    Boa semana.

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    1. Olá!
      Já espreitei a tua opinião e gostei.
      Cormac McCarthy é viciante apesar da leitura ser por vezes muito difícil. Prepara-te porque "Meridiano de sangue" é... terrível!
      Terrível e extraordinário.
      Estranho? Lê e depois me dirás.

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