13 abril, 2013

"A música da fome" - J.M.G. le Clézio

Não escolhemos a nossa história. Esta apresenta-se-nos sem que a procuremos, e não podemos, não devemos rejeitá-la.
É muito autobiográfica esta história, sobre a decadência de uma família oriunda da ilha Maurícia, exilada em França.
O autor não o esconde e avisa que escreveu esta história em memória de uma jovem que, involuntariamente, foi heroína aos vinte anos. Essa jovem é Ethel, alter-ego da mãe do escritor.
Ethel é a única filha de um casal de exilados em França. O pai, Alexandre Brun, era jovem quando deixou a ilha Maurícia. Em Paris, ocupa os dias a delapidar a herança, em negócios pouco recomendáveis.
Na infância, o único prazer de Ethel é a companhia do excêntrico tio-avô Samuel Soliman. Tudo o que sabe do mundo, foi ele que lhe contou. Tudo o que conhece de Paris, foi ele que lhe mostrou. Pouco antes de Ethel completar doze anos, no fim de 1934, Monsieur Soliman adoeceu e morreu, e o pequeno mundo de Ethel começou a desmoronar.
Quando eu já cá não estiver, terás de prestar muita atenção, dizia-lhe o avô, preocupado.
Na adolescência, Ethel descobre a amizade, pela mão de Xénia, uma colega de escola pobre e misteriosa, filha de exilados russos. Tornam-se amigas inseparáveis. Mas, se de desabafo em desabafo a amizade entre as duas cresce, de desilusão em desilusão acaba por morrer.
Da vida familiar, Ethel recorda as discussões entre os pais e os almoços que ofereciam, no primeiro domingo de cada mês, a visitas, amigos e parentes. Nessas reuniões, onde a música se misturava com riso e as conversas fluíam, começa a ouvir-se, repetidamente, o nome de Hitler. Avizinha-se o declínio da família Brun: a ruína, a guerra, a fome.
A vida é um saco muito pesado, diz Justine, a mãe de Ethel.
Aos dezoito anos, Ethel assume o controlo dos negócios da família. Depois de pagar as dívidas, resta-lhe a ruína e a angústia do futuro. O seu mundo fica reduzido à água de um canal.
 
É excelente, o retrato do quotidiano desta família, na alegre Paris dos anos 20 e 30, depois em Nice e de novo em Paris, já libertada pelos aliados.
É excelente, o retrato da sociedade francesa durante a ocupação nazi.
É excelente, o retrato da inconsciência dos cidadãos e dos políticos pelo bolchevismo, pelo  anti-semitismo e pelo sofrimento do povo.
Os rios lavam a História, é sabido.
Recomendo.
 
A música da forme, de J.M.G. Le Clézio (Prémio Nobel de Literatura, 2008)
Tradução de Isabel St. Aubyn
Dom Quixote, 2009
188 págs.

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