23 fevereiro, 2018

"Plenos poderes" - Pablo Neruda

"Plenos Poderes" (1963), colectânea de 36 poemas curtos e grandes odes, reúne a melhor e mais representativa poesia de Pablo Neruda, escrita no período mais produtivo da sua vida. 
Seleccionei o poema título da antologia mas oportunamente postarei versos de algumas das odes mais celebradas da obra do poeta chileno, Prémio Nobel da Literatura, 1971.

Comprei este livro numa livraria de livros usados (ou em segunda-mão, como queiram) duma vila do distrito de Lisboa, conhecida pelo seu belíssimo Palácio Nacional.
Loja pequenina, de paredes forradas de livros. Um lugar especial para quem gosta de ler.
Eu "perdi-me" lá dentro. Queria comprar tudo. Folhear tudo. Cheirar tudo. Imaginei-me "a feliz proprietária" daquela loja pequenina a abarrotar de livros. Leria-os todos!
Ali só não gostei do empregado, um jovem na casa dos trinta anos, muito hábil a fugir das questões que eu colocava sobre um ou outro livro ou autor. Estranhei!
Descobri porquê quando, já à saída, lhe perguntei «Rodeado de tantos livros imagino que tenha lido a maioria?» e ele respondeu com um sonoro e sorridente «NÃO! Não gosto de ler livros, só revistas, de preferência de desporto».
Aturdida, consegui balbuciar «não sabe o que perde» e agarrei-me ao braço do meu marido que me disse ao ouvido «vamos almoçar» e me levou dali.
Não gosto de ler livros... Como é possível!

PLENOS PODERES 
A sol descoberto escrevo, em plena rua,
em pleno mar, aonde posso canto,
somente a noite errante me detém
mas nessa interrupção ganho espaço,
recolho sombra para muito tempo.

O trigo negro da noite cresce
enquanto os meus olhos medem a planície
e assim de sol a sol forjo as chaves:
procuro na escuridão as fechaduras
e vou abrindo ao mar as portas rachadas
até encher armários com espuma.
E não me canso de ir e vir
com a sua pedra a morte não me retém,
não me canso de ser e de não ser.

Às vezes pergunto-me de onde
se de pai se de mãe se de cordilheira
herdei os deveres minerais,

os fios de um oceano aceso
e sem parar sei que continuo, que prossigo
e canto, no canto prosseguindo sem parar.

Não tem explicação o que acontece
quando fecho os olhos e circulo
como por entre dois canais submarinos,
na sua ramagem leva-me um para a morte
e canta o outro para que eu cante também.

Assim do nada sou composto
e como o mar assalta o arrecife
com balões salgados de brancura
e desenha a pedra com as ondas,
assim o que na morte me rodeia
abre em mim a janela da vida
e em plena exaltação estou dormindo.
Em plena luz caminho pela sombra.

11 comentários:

  1. Levo a sugestão pois não a li!
    Há dias encontrei uma moça angolana que se lembrava que eu ia todos os dias à livraria e passava horas a folhear livros!
    Na casa há estantes com mais de um milhar entre romances e enciclopédias ... por isso há muito que não compro e morro sem os ler todos!!!
    bj

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  2. Grande Neruda! Um dos mais importantes poetas dos nossos tempos, deixou um legado de 50 livros muito vendidos, grande sucesso. Atinge de cheio nossas emoções pelas verdades escritas. Seus poemas de amor são lindos, assim como também reflexões sobre a vida, sobre o medo, sobre a morte. Gosto imensamente!Belo esse poema escolhido.

    Quanto aos 'Sebos' (aqui chamamos assim) fico doida, é um passeio para uma tarde inteira enfiada nessas livrarias, tem de tudo. E quanto mais procuramos, mais achamos coisas do arco.
    Teresa, numa das vezes comprei um livro de 1905 - ' Galeria Pittoresa de Homens Celebres de todas as nações e épocas' . A livraria é Laemmert & CIA / RJ SP /Recife
    Não é uma joia?

    Mas esse vendedor (rsrs)...aí está o homem errado no lugar errado...
    Beijo, querida amiga.

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  3. Que forma de escrever, Teresa, a de Pablo Neruda. Um canto à Vida! Adorei.
    As pessoas que não gostam de livros não deviam trabalhar em livrarias. É que não tem lógica. Mas acontece muito encontrarmos gente a desempenhar funções para as quais não têm vocação. É apenas um emprego.

    Bj

    Olinda
    Prestam um mau serviço a quem lá vai.

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  4. Bom dia, ler Pablo Neruda o poeta do povo, é aprender a ser humano, homem que não sendo Espanhol amava Espanha, julgo que a sua filha vive em Espanha.

    Os poetas odeiam o ódio e fazem guerra à guerra.
    Pablo Neruda

    Estanho que um empregado de livraria não leia livros, que nada saiba sobre os mesmos, assim, não pode sugerir uma leitura sobre um tema que lhe seja pedido.
    Obrigado pela simpática visita, gosto de a ver na minha pagina.

    Feliz domingo e semana,
    ADG

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  5. Foi muito bom, mas distante dos bons poetas portugueses, como Fernando, Florbela...
    Grande abraço. Laerte.

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  6. Um poeta que eu aprecio.
    Gostei bastante do blogue e muito obrigado pela seu comentário e visita ao meu humilde blogue.
    Um abraço e bom Domingo.

    Andarilhar
    Dedais de Francisco e Idalisa
    Livros-Autografados

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  7. De leitura obrigatória.
    Muito bem gosto.
    Bjs, boa semana

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  8. Pablo Neruda faz parte dos meu poetas de eleição.
    Quanto à resposta do empregado la livraria, ele faz parte de uma geração que não lê livros, o que é pena... Mas é o que é.
    Gostei imenso de reler o poema de Neruda.
    Uma boa semana.
    Um beijo.

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  9. Uma de minhas sobrinhas emprestou-me "20 poemas de amor" em espanhol de Neruda li e amei.
    Gostei de ler este que você postou.
    Como pode não gostar de ler, ele errou completamente no tipo de emprego que escolheu, vai viver contrariado e contrariando os fregueses.
    Beijinhos, Léah

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    Respostas
    1. Bom dia Léah!
      "Plenos poderes " e "Crepusculário", os únicos livros que tenho do poeta, são versão bilingue.
      Só para você, amiga, deixo versos dum poema de "Crepusculário":
      "Dame la maga fiesta, Dios, déjala en mi vida,
      dame los fuegos tuyos para alumbrar la tierra,
      deja en mi corazón tu lámpara encendida
      y yo seré el aceite de su lumbre suprema."
      Lindo, não?!
      Beijo.

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    2. Ola Teresa, grande presente me deste, obrigada.
      Lindo, muito lindo, assim como sua oferta.
      beijos
      Léah

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