09 dezembro, 2017

"Olá, tapete!"


“(… ) as folhas todas juntas são um grandioso espetáculo.
São uma imensa população que se despede em festa, riscando ao acaso, com lápis de cor, o uniforme do chão. Não fazem ruído quando tombam, quando se sobrepõem em camadas, quando se apresentam solitárias, quando os nossos pés as condenam, quando se estilhaçam por si e se dispersam, quando se fundem com a terra a ponto de não as distinguirmos. Nestas semanas de outono são um cinema que não encerra: exibem em contínuo o amarelo, o ocre, o verde-barro, o verde mate, o azeitona vítreo, o avermelhado, o laranja, o pontilhado negro. E estão sempre a chegar. Basta um sopro de vento e, imediatamente, centenas delas se soltam no ar, numa dança inventiva, rodopiada e lenta; numa incrível chuva de ouro; numa música silenciosa que desce. Se calha atravessarmos um jardim, esta visão ganha a magistral precisão de uma coreografia. Contudo, ela também é bela de seguir no imprevisto de uma rua que se dobra ou surpreendida de uma janela, numa daqueles momentos em que coincide erguermos os olhos e esse presente nos é oferecido.

As crianças, neste assunto de folhas, sabem mais do que nós. Lembro-me de ter perguntado a uma miúda dos seus quatro anos se já tinha reparado no tapete maravilhoso que as folhas nos oferecem. Ela ouviu-me interessada. Eu expliquei-lhe como aquele era um tapete fofo, como as corresse divertiam a espalhar-se numa evidente brincadeira, como era bonito e precioso. Ela então largou a minha mão, deu um salto para o meio das folhas e disse alto, com aquela solenidade que se tem aos quatro anos de idade: “Olá, tapete!” Saudava assim com entusiasmo não só aquele fragmento do mundo que identificava, mas o inteiro outono ou mesmo a inteira vida. (...)"


Excerto da crónica “As folhas”, de José Tolentino Mendonça (presbítero e poeta português, n. 1965), publicada na “E”, revista do jornal Expresso de 8 Dezembro 2017
Vale a pena ler na íntegra.

(Foto da net)

15 comentários:

  1. Gostei desta leitura e saliento:
    “Olá, tapete!” Saudava assim com entusiasmo não só aquele fragmento do mundo que identificava, mas o inteiro outono ou mesmo a inteira vida. (...)"
    ... bj

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  2. Visitando, gostei muito do seu blogue. Fiquei seguidor
    .
    Hoje
    Margens de sedução de branca espuma
    .
    Deixo um abraço poético.
    Boa tarde. Domingo feliz

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    1. Olá Gil!
      Bem-vindo ao meu roldeleituras.
      "Margens de sedução de branca espuma", hum... promete. Vou espreitar.
      Boa semana.
      Abraço.

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  3. As folhas de outono formam um lindo tapete. Que bom receber a sua visita no blog. Um abraço, Yayá. Ps. Esse é o meu nome.

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  4. Que lindo esse texto poético! Fica a imagem da dança das folhas secas e coloridas, voando. É importantíssima essa estação que vocês estão agora, caem as folhas secas dando lugar para as novas que irão florir noutra época. Tudo se renova.
    A foto é maravilhosa! Essas cores das folhas, juntas, digo que formam uma das combinações mais lindas, como a natureza sabe combinar as cores...Irei lembrar quando chegar a nossa hora, lá por março, do 'Olá, tapete!'.
    Beijo grande, amiga!

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  5. Não posso ler lindos textos sem que as lágrimas me venham, ai paro, me recomponho e claro continuo e me deleito com tanta beleza.
    Muito Obrigada, amei.
    GRande abraço, beijinhos,
    Léah

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    1. Olá Leah!
      Quem escreve e pinta com tanta sensibilidade tem de ser de lágrima fácil!
      "Chorar lava a alma", dizem. Eu acredito que sim.
      Bom semana amiga.
      Beijo.

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  6. Gosto muito de ler as crónicas de José Tolentino Mendonça. Andei a ler um livro deste autor chamado "O pequeno caminho das grandes perguntas" do qual gostei imenso.
    Uma boa semana.
    Um Beijo.

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    1. Obrigada pela dica, Graça.
      Vou pedir ao Pai Natal...
      Beijo, amiga, e boa semana.

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  7. Fabuloso texto! Adorei ler.
    Já sigo, voltarei

    Hoje:-Prometeste-me um dia d'amor em alto mar.

    Bjos
    Óptima Segunda-Feira

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    1. Larissa, és muito bem-vinda!
      Pelos vistos também já te sigo... Boa!
      Beijo.

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  8. Que lindo Teresa, só podia ter sido escrito pelo José Tolentino de Mendonça. Tenho-me esquecido dele, embota já tenha colocado aqui textos dele. E assim é a natureza cobrindo o chão de variadissimos tapetes , tendo hoje, para admiração de muitos,usado um lindíssimo branco, branco cor de neve. E as árvores, para não destoarem, ergueram os " braços " aparando os flocos como se fossem pedaços de algodão que os aquecerão, agora que estão nus. E como também gostam, as crianças, de rolarem neste tapete branco, amiga!!! Aliás elas são as que mais valor dão a estas maravilhas da natureza; ainda não aprenderam com os adultos a estragaram estes belos quadros tāo perfeitamente pintados. Querida Teresa, quero agradecer-te o carinho, perguntandobpela minha mãe; felizmente melhorou, apesar da infecção urinária voltar constantemente; deve ser provocada pelo problema grave da bexiga que, como já te falei voltou com bastante agressividade. Vão-se contornando estes problemas da melhor maneira possivel, pois a idade e o probleminha nas carótidas não permitirem muito mais. Espero, sinceramente que os teus problemas de saúde se resolvam e que não seja nada de grave. Deixo-te um forte abraço e o meu agradecimento por te lembrares de mim desta forma tão carinhosa. Uma Grande Amiga tu és, Teresa!
    Emilia

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    1. Olá Emília!
      Boas notícias da tua mãe. Como diz o povo: «a idade não perdoa». Vai levando com calma. amiga.
      O meu problemita de saúde está resolvido. Assim espero! Postei sobre ele dia 21 e 28 de Novembro.
      Emília, tu és das pessoas mais carinhosas e atenciosas que conheci na blogosfera. Eu dou-te apenas o que mereces. E, amiga, tu mereces muito mais.
      Beijo, querida.

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  9. Olá, Teresa!

    Grata pela sua visita e palavras tão simpáticas e agradáveis em relação à minha escrita. Faz-se o que se pode, como vulgarmente costumamos dizer.

    Li e reli o extrato da crónica "As folhas" de Tolentino de Mendonça, e como sempre, fiquei com olhos doces, e não me chamo Amélia, e de coração preenchido e quente, contrariando a nossa Meteorologia.

    Leio, de vez em quando, o Expresso, e já conheço a forma e o tipo de escrita deste presbítero e professor madeirense. Os ilhéus, em minha opinião, são pessoas especiais, brandas e com muita leveza e bondade de espírito.

    Aos olhos das crianças, tudo fica ainda mais simples e deslumbrante, porque o desajuste do mundo, que ainda não conhecem, para tal contribui.

    A imagem escolhida para encimar o texto está na mesma proporção dele e até os cabelinhos da menina, naturalmente despenteados, dão realce ao extrato, que decidiu publicar. Parabéns pelo seu bom gosto.

    Um cordial abraço e dias felizes.

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    1. Olá, Céu!
      Gostei que saber que a grande "poetisa" também escreve boa prosa. Prosa musicada, quase poética, num mero comentário... deixou-me encantada!
      Céu, é um gosto vê-la no meu roldeleituras.
      Um abraço e boa semana.

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