08 setembro, 2017

"A vegetariana" - Han Kang

- Porque é que não comes carne? Ela pousou os pauzinhos e olhou para ele. – Não tens de me dizer, se for difícil para ti.
- Não – responde ela com serenidade. – Não me é difícil. O problema é que acho que não vais compreender. – Tornou a pegar nos pauzinhos e mastigou lentamente alguns rebentos de soja. – É por causa de um sonho que tive.
- Um sonho?
- Tive um sonho… e é por isso que não como carne.
É estranha e comovente a história de Yeong-hye, mulher normal, nem feia nem bonita, de poucas palavras, filha e esposa submissa, que depois de um sonho terrível decide mudar radicalmente a sua vida, impor a sua vontade e enfrentar a conservadora sociedade sul-coreana, o marido que a despreza, os pais e a irmã que a ignoram. Como? Tornando-se vegetariana.
Essa inesperada, incompreensível e assustadora mudança de comportamento tem consequências negativas sobre toda a família e brutais sobre ela própria.
Dividida em três partes, a história começa no presente mas engenhosa e subtilmente recua ao passado dando voz a familiares – marido, cunhado e irmã – que desvendam de forma crua e dura factos da infância e adolescência da protagonista. Preocupa-os a estranha decisão dela? Não! Preocupa-os o que dessa decisão pode “respingar” sobre eles.
Na primeira parte a voz é do abjecto marido:
… sempre pensei nela como alguém que não tinha rigorosamente nada de especial. Para dizer a verdade, quando nos conhecemos, nem sequer me senti atraído por ela. No então, embora não tivesse nada de muito atraente, nada tinha também de repulsivo e, por isso, não havia motivo para que não nos casássemos… raramente me pedia alguma coisa e nunca discutia comigo.. .servia-me na perfeição… era a mulher mais trivial do mundo… uma esposa absolutamente comum…
Até um certo dia de fevereiro…
… em que ela, provocadora, deita fora carne, ovos e leite, recusa sair do quarto, deixa de limpar, de cozinhar, de tratar da roupa e recusa o sexo com o marido por o corpo dele lhe cheirar a carne.
Os dias passam, ela definha. Incapaz de a demover o marido fala com a sogra e logo marcam uma reunião de família. Tal não preocupa a "nova" Yeong-hye revoltada, vingativa, fantasista e decidida a tomar o controlo da sua vida. Nem o marido desprezível, nem o pai, um herói da Guerra do Vietname autoritário e agressivo, conseguirão que volte a comer carne. Antes morrer. É assim tão mau morrer?
O que se segue é provocador e desconcertante, mas eu não desvendo para que a sensação de absurdo seja sentida também por si.
(Nota: O hospital confirmará que esta mulher revoltada que começou por querer ser vegetariana, depois um vegetal e por fim uma árvore, não sofre de qualquer doença mental.)

Este romance, feito de histórias bem imaginadas que se encaixam umas nas outras como peças de um puzzle, não é fácil de entender, não!
É tão estranho, tão estranho, que, não sei como, se entranha em nós e a vegetariana Yeong -hye não nos sai da cabeça.
Porquê? Bem... é segredo.

(Ufa! Este foi difícil de digerir! Mas não deixei de comer carne...)

A vegetariana, de Han Kang - Man Booker International Prize 2016
Tradução de Maria do Carmo Figueira
Ed. D. Quixote, 2016
190 págs.

6 comentários:

  1. Vegetariana e também Vegana ( ela não come ovos, leite e derivados).Ela deve ter muitos problemas emocionais, coitada! Olha só o belo marido que a despreza, a submissão desde pequena, os pais e irmã que a ignoram! Será um ato rebelde? Ou apenas se curva às dores dos animais, o estresse e a brutalidade do abatimento...Ou a carne não lhe faz mais tão bem? Ou a dor de não sentir-se ninguém? São esses romances com o foco nas emoções, nas distorções das famílias e da sociedade que caem muito bem no gosto do público, também anotei. Sou chegada numas reflexões desse tipo. Ótima tua postagem, bem explicada. Um romance desses tem papo pra dias!
    Beijo, querida amiga! De volta, a mil!

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  2. Fiquei curiosa com esse livro "A vegetariana" de Han Kang, pelos excertos que mostrou aqui. Obrigada pela dica.
    Uma boa semana.
    Um beijo.

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  3. Um romance diferente e interessante.
    Beijinhos
    Maria de
    Divagar Sobre Tudo um Pouco

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  4. Um livro muito interessante pelo pouco que aqui nos mostras e que irá para a minha lista com certeza. Obrigada, Teresa e que os teus dias sejam bons, com alegria e saúde. Beijinhos
    Emília

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