02 maio, 2017

26º - Excertos do "Livro do desassossego", de Fernando Pessoa


269-(1930?)
“Este livro é a minha cobardia.
(...)
Porque escrevo se não escrevo melhor? Mas que seria de mim se não escrevesse o que consigo escrever, por inferior a mim mesmo que nisso seja? Sou um plebeu da aspiração, porque tento realizar: não ouso o silêncio como quem receia um quarto escuro. Sou como os que prezam a medalha mais que o esforço, e gozam a glória na peliça.
Para mim, escrever é desprezar-me: mas não posso deixar de escrever. Escrever é como a droga que me repugno e tomo, o vício que desprezo e em que vivo. Há venenos necessários e há-os subtilíssimos, compostos de ingredientes da alma, ervas colhidas nos recantos das ruínas dos sonhos, papoilas negras achadas ao pé das sepulturas dos propósitos, folhas longas de árvores obscenas que agitam os ramos nas margens ouvidas dos rios infernais da alma.
Escrever, sim, é perder-me, mas todos se perdem, porque tudo é perda. Porém eu perco-me sem alegria, não como o rio na foz para que nasceu incógnito, mas como o lago feito na praia pela maré alta, e cuja água sumida nunca mais regressa ao mar.”

Leia (tudo) e… deslumbre-se!



5 comentários:

  1. Olá Teresa.
    Esse livro é de Fernando Pessoa? Não conheço nada dele que não sejam seus poemas.
    Um abraço.
    Pedro

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    1. Olá Pedro!
      Sim, Jerónimo Pizarro reuniu em livro centenas de fragmentos "oscilando entre diário íntimo, prosa poética e narrativa", de Fernando Pessoa.
      Procura nas livrarias. Se não encontrares me avisa.
      Eu posto excertos mas a vontade é de partilhar TUDO no meu rol. Porque TUDO no livro é fabuloso!
      Abraço.

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  2. Uma das pérolas do grande Fernando Pessoa!
    Assunto para ele não se esgota, jamais.
    O filósofo acrescentando ao poeta...
    Beijo!

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  3. Teresa, se "este livro é a minha cobardia", esse cara, Fernando, é a minha humilhação, pois tudo o que diz ou disse parece tão simples como o que eu queria dizer e não disse. Mas como ele, juro, que sou, no sentido de sentir ou ter ciência que escrevo mal, mas faço com meus erros. Construo versos aleijados em poemas postiços, mas escrevo como eu sei fazer, pois sem o fazer estaria perdido na minha solidão de alma. Eu juro que escrevo para mim e ofereço a quem quiser. Amo Fernando. Se foi bipolar, tripolar, polipolar, não me importa, pois a mim, foi um gênio ou um poligênio. Grande abraço. Laerte.

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  4. Laerte, amei o seu comentário.
    E fiquei sem palavras para dizer seja o que for. Apenas que este livro é a minha perdição. Perco-me nele.
    Amo o "Fernando" e começo a gostar do Laerte - sejam os seus poemas "aleijados ou postiços", são belos. Continue a "construí-los".
    Abraço.

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