27 janeiro, 2017

"Quando ela era boa" - Philip Roth

Numa tarde de novembro de 1954, uma semana antes do Dia de Ação de Graças, mesmo ao anoitecer, Willard chegou de carro a Clark’s Hill, estacionou junto à vedação e subiu a pé o carreiro de acesso ao jazigo da família (…) baixou as abas do boné e ali, diante das campas da sua irmã Ginny, e da sua neta Lucy, e dos retângulos reservados para os restantes membros da família, esperou. Começou a nevar.
Estava à espera de quê?
Quando ela era boa” – terceiro romance de Philip Roth, um drama familiar originalmente publicado em 1967 – conta a história comovente, intensa e arrebatadora de uma família humilde, numa cidadezinha provinciana do Centro Oeste americano, na primeira metade do século XX.
Em casa de Willard Carroll e Berta reina a tranquilidade e a felicidade. Felicidade que aumenta quando nasce Myra, a filha de saúde frágil, discreta e tímida, estudante de música e mais tarde professora de piano. Tudo muda quando Mary, já casada com Whitey Nelson, um alcoólico, ignorante, cobarde, ladrão, oportunista, ciumento e violento, volta para casa dos pais com o marido desempregado e a filha de três anos, Lucy Nelson, a protagonista da história. É ela que aos quinze e anos, farta da violência do pai e da passividade da mãe, liga à polícia e fica a vê-lo ser levado para a prisão.
… os meus pais são horríveis. Não sou eu que penso – é a verdade!
Lucy não se livrou de um sermão do avô Willard.
«Nesta casa somos pessoas civilizadas e há certas coisas que não fazemos (…) não somos nenhuma escumalha, e tu tens de te lembrar disso.»
«Cá em casa, Lucy, conversamos com a pessoa. Mostramos-lhe o caminho certo.»
«E se a pessoa não o conhecer?»
«Olha Lucy, não a mandamos para a prisão! A questão é só essa. Está percebido?»
(Anos mais tarde, ela dirá ao avô que ele não podia proteger as pessoas da fealdade da vida passando-lhe por cima uma camada de verniz.)
Depois disso, Lucy, a jovem de bom coração, inteligente, sensível, impiedosa e moralista que fingia que tinha uma família normal, mesmo depois de ter começado a perceber que isso não era verdade, decide regenerar os homens que a rodeiam.
Começa por Roy Bassart, o namorado, dois anos mais velho do que ela mas muito infantil. Ama-o? Casa com ele? Lucy tem dezoito anos e não, não quer casar-se com ele. Ou quer? Talvez, mas só porque está a crescer alguma coisa dentro do seu corpo, e sem a sua autorização.
O resto é para você descobrir… lendo, claro!

O enredo de “Quando ela era boa” é inteligente, os personagens brilhantes, a escrita de  Philip Roth, irrepreensível, mas… 
Se as primeiras 57 páginas emocionam e cativam - conhecemos o avô Willard Carroll, um “homem bom”, filho de pai feroz e ignorante e de mãe trabalhadeira com mentalidade de escrava, que abandona a casa dos pais aos dezoito anos e vai ao encontro do mundo civilizado; que sabe o que quer e o que não quer: não ser rico, não ser famoso, não ser poderoso, nem sequer ser feliz, mas ser civilizado... não viver como um selvagem; chega a Liberty Center em 1903, arrenda um quarto, consegue um emprego nos correios, casa com uma rapariga decente, determinada e respeitável, compra uma casa pequenina, tem uma filha, é promovido a sub-chefe, renova a casa, vê a filha casar com um alcoólico violento, recebe-a de coração aberto quando ela necessita de apoio e... nunca esquece Ginny, a irmã internada num lar para deficientes mentais...
... as restantes 302  - relato da vida familiar e estudantil de Lucy, da sua relação com as amigas, do amor por Roy e do ódio pela família dele - estafam de tanta repetição. Tudo podia ser dito em metade das páginas. Penso eu.
Philip Roth jamais me desiludirá mas… desta vez cansou-me. A sério!

Quando ela era boa, de Philip Roth
Tradução de Francisco Agarez
Ed. D. Quixote, 2016
359 págs.

5 comentários:

  1. Não li esse livro, Teresa, mas essa tua narração nos leva a ver que é a vida como ela é , plagiando nosso escritor Nelson Rodrigues, que conta em textos curtos exatamente igual a alguns que contam em muitas páginas, descrevendo com certo cansaço ao leitor o que poderia dizer em poucas páginas. Estou hoje arrumando uma pequena parte da estante (vou aos poucos) e gosto de juntar os livros por assunto - outros gostam de arrumá-los por autor, e vi que tenho vários que falam nos relacionamentos familiares, pais e filhos etc. É pano pra manga, amiga, você sabe, eu sei. E o melhor da história é que somos pessoas esclarecidas nesse quesito, sabemos dos porquês das coisas. Gostamos de furungar esses temas, pelo menos eu adoro!
    Atualmente estou lendo um livro bem gostosinho: Como lidar com pessoas que te deixam louco - de Paul Hauck, membro da Associação Americana de Psicologia.
    Não deixa de ser um meio de proteção para vivermos nessa sociedade meio maluca, né amiga? (rs)
    Beijo grande!

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    1. Sabes Taís, eu cada vez gosto mais de ler contos, pequenas histórias onde tudo é dito com pouco palavras. E, como tu, gosto de "escarafunchar" o tema família.
      Na minha estante os livros estão arrumados (ou desarrumados?) por autores. Já experimentei arrumá-los por assunto e não resultou...
      Deve ser interessante esse livro de Paul Hauck. Não conheço. Vou espreitar numa livraria. Preciso de acalmar. Nesta selva que é a vida, há gente que me deixa louca.
      Beijo e bom fim-de-semana.

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    2. rssss, gostei do 'preciso de acalmar'! O mundo está um hospício, amiga!!
      Beijinho, um ótimo fim de semana.

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  2. Este mês já esgotei o meu quinhão para compra de coisas agradáveis. Para o mês que vem logo se vê.

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    1. Olá Bea,
      Para o mês que vem... compra outro, ok?!
      Boa semana.

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