16 dezembro, 2016

"Jóia de família" - Agustina Bessa-Luís

Uma vida de família é uma cidadania em miniatura. Há leis que se aprovam, outras de que se desiste; há festas de presentes e de antepassados; há comemorações, experiências desordenadas, vícios calmos que duram uma vida, violências caladas ou manifestas, classes que se batem entre si, promoções de culturas, ruínas da alma, desejos que só a morte há-de saldar, cobiças que nem a herança resolve, culpas que decidem de mudanças.
Jóia de família” é um bom retrato da sociedade portuguesa dos anos 90. Sociedade que funciona com máscaras ideológicas, ou sexuais, ou psicóticas.
A trama - uma teia de incertezas bem urdida - aborda as mudanças nas relações familiares, o comportamento da burguesia campesina, a delinquência, o crime, a sexualidade, a infidelidade, a droga e a prostituição.
Os personagens, como na maioria dos personagens de Agustina, são bem construídos e convincentes.
António Clara, o protagonista, com dez dias de vida passa de pé descalço a herdeiro de uma fortuna grandiosa. A mãe, Celsa Adelaide, a criada feita parteira, torna-o terceiro filho de Rutinha Albergaria, quando esta desmaiada de cansaço não percebe que deu à luz um menino morto, roxo como um cravo roxo. Celsa, não hesita, esconde o nado morto e deita o seu próprio menino no berço de cambraia. Ninguém nunca suspeitará.
António “nasce” em Salto da Senhora, durante uma visita de Rutinha ao tio Simeão Albergaria, o tio rico que tinha no testamento uma cláusula que tornava seu único herdeiro o neto que nascesse em sua casa. Teria Rutinha conhecimento dessa cláusula? O velho Simeão desconfia mas…vinte anos depois, o filho da criada é um homem rico.
António é criado por governantas. Não se dá bem com os dois irmãos. Os pais estão permanentemente ausentes. Uma escoliose obriga-o a coxear ligeiramente, a abandonar os estudos, a afastar-se do trabalho. Passa a viver suspenso daquela herança como uma aranha do fio da teia.
Aos vinte e cinco anos enamora-se de Vanessa, uma bela mulher de quarenta e dois anos, no alterne desde os treze. Uma mulher ambiciosa, hostil ao mundo e fiel às paixões.
Indignada, Celsa Adelaide procura uma mulher "decente" para o filho. Encontra Camila, uma rapariga simples, acanhada, que nada exige, filha de burgueses remediados, que viam nela a salvação da decadência. Ela era a jóia da família.
O casamento com Camila  não afasta António da amante que, como amiga, passa a frequentar a casa da família. O dinheiro não faz gente.
Como vai Camila lidar com a infidelidade e a indiferença do marido, com o ciúme, com a presença constante de Vanessa?
Hum!
O perspicaz e mordaz narrador do romance diz que há vários casos de loucura na família de Camila.
Eu, já disse tudo... e tudo ficou por dizer.

Mais um romance de Agustina, mais um prémio, mais uma adaptação do cinema. “Jóia de família”, primeiro volume da trilogia O princípio da incerteza, foi distinguido em 2001 com o Grande Prémio de Romance e da Novela da APE, e adaptado ao cinema por Manoel de Oliveira.

Jóia de família, de Agustina Bessa-Luís
Guimarães Editora, 201
345 págs.

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