06 maio, 2016

"Instruções para salvar o mundo" - Rosa Montero

… às vezes a vida aperta tanto que não deixa lugar para respirar.

A Humanidade divide-se entre aqueles que gostam de se meter na cama à noite e aqueles a quem ir dormir desassossega.
Começa assim este romance de Rosa Montero, uma história de esperança, fascinante, estranha, hipnotizante.
De entre as muitas e boas razões para a ler destaco quatro: a trama surpreendente e hipnótica; a escrita fluída, acessível e brilhante que nos prende e comove; a mistura rigorosa de humor, horror, ironia; a perfeita definição física e psicológica de quatro sobreviventes, personagens inesquecíveis cujos destinam se cruzam num cenário de escuridão, horror, catástrofe, esperança.
Os quatro têm um pesadelo recorrente: matam alguém mas não conseguem ver a vítima e quando acordam, aterrorizados, o sentimento de culpa continua colado às pálpebras, à memória, e ao coração durante muito tempo.
Os quatro frequentam o Oasis, um bar cuja clientela é constituída por desenraizados, noctívagos, putas e taxistas.
Eles são:
- Matías, 45 anos, viúvo às voltas com a dor pela perda de Rita (o romance começa com o seu funeral), é o taxista mais calado do planeta. Antes trabalhou numa empresa de mudanças, antes foi trolha e muito antes, esteve num reformatório por roubar rádios de automóveis. Quando de lá saiu, a vizinha Rita, professora, decidiu salvá-lo de si próprio. Ele tinha dezassete anos e ela acabara de fazer trinta. Amaram-se e viveram juntos vinte e oito anos. Com ela descobriu o cinema, a música clássica, a leitura. Continuou a odiar futebol. Por tudo isso, quando Rita adoeceu e faleceu, Matías reivindicou a morte dela toda para ele, tal como anteriormente tinha gozado da sua vida.
Voltará a ser feliz…
- Daniel Ortiz, 45 anos, médico, quinze anos de um casamento de mágoa e rancor, sem filhos, sem sucesso profissional, sem amigos, é viciado em jogos de computador e fascinado pelo mundo virtual de Second Life. Mesmo sabendo que é uma perversão parva, é para lá que “corre” logo que termina os turnos nos Serviços de Urgência do hospital. Às vezes parecia-lhe que a vida real era menos real que Second Life.
Certa noite, no hospital trata uma jovem negra cujo sorriso luminoso o faz sentir-se em paz consigo próprio. Será ela capaz de o ajudar a encontrar um sentido para a vida, a abandonar a mulher inclemente que o despreza, a sarar a dor que a tristeza lhe provoca?
Apesar da vergonha atroz vai procurá-la…
- Fatma, uma prostituta negra, bela e frágil. É a princesa do Oasis, mal tratada por Draco o proxeneta dono do bar que a conseguiu legalizar, arranjando-lhe os papéis no mercado negro. Fatma, a puta principesca desenraizada e solitária tem uma única amiga: Bigga, uma lagartixa protectora.
Dois homens irão mudar a sua vida…
- Cérebro, uma velha cientista, solitária e demasiado dada à bebida, é a freguesa mais fiel do Oasis. Chega ao início da noite, senta-se sempre no mesmo tamborete, bebe pausadamente vinho tinto e sai ao amanhecer sem dar sinais de estar embriagada.
A noite assustava-a e não se deitava porque se sentia tão só na cama como um morto na sua tumba.
No Oasis, o álcool e o barulho protegem-na. Ali, ninguém sabia do seu passado, dos seus amores proibidos. Ali, ninguém se atrevia a falar com ela e ela também não parecia importar-se com ninguém. Até um dia…

Que Rosa Montero é uma extraordinária contadora de histórias, eu já sabia.
Que se relem com redobrado gosto, fiquei a saber agora.
Esta é a história de uma longa noite. Tão longa que se prolongou durante vários meses.
Termina assim:
… a Humanidade divide-se entre aqueles que sabem amar e aqueles que não sabem.
Mas essa é outra história.
Leia (esta), por favor.

Instruções para salvar o mundo, de Rosa Montero
Tradução de Helena Pitta
Porto Ed., 2008
285 págs.

3 comentários:

  1. Ouvi uma entrevista com esta senhora e gostei. Pode ser que compre o livro. Ou o encontre numa biblioteca perto de mim.

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  2. Olá Bea!
    Não hesites. Lê porque é fabuloso!
    Como disse o poeta: primeiro estranha-se, depois entranha-se.
    Depois me dirás...

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  3. Com tantas histórias... haverá aí salvação, pergunto-me ;)

    abç amg

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