27 novembro, 2015

Formou Deus o homem... em "Viagens na minha terra", de Almeida Garrett


Formou Deus o homem, e o pôs num paraíso de delícias; tornou a formá-lo a sociedade, e o pôs num inferno de tolices.
O homem – não o homem que Deus fez, mas o homem que a sociedade tem contrafeito, apertando e forçando, em seus moldes de ferro, aquela pasta de limo que no paraíso terreal se afeiçoara à imagem da divindade - , o homem, assim aleijado como nós o conhecemos, é o animal mais absurdo, o mais disparatado e incongruente que habita a Terra.
Rei nascido de todo o criado, perdeu a realeza; príncipe deserdado e proscrito, hoje vaga foragido no meio de seus antigos estados; altivo ainda e soberbo com as recordações do passado; baixo, vil e miserável, pelas desgraças do presente.
Destas duas tão opostas actuações constantes, que já por si só o tornariam ridículo, formou a sociedade, em sua vã sabedoria, um sistema quimérico, desarrazoado e impossível, complicado de regras, a qual mais desvairada, encontrado, de repugnâncias a qual mais oposta. “

Almeida Garrett - poeta, historiador, filófoso, crítico e artista, jurisconsultor e administrador, erudito e homem de Estado - nasceu no Porto, em 1799 e faleceu em Lisboa, em 1854.
"Viagens na minha terra" (1846) é um misto de romance (que belo o amor de Carlos e Joaninha), narrativa de uma viagem de Lisboa a Santarém, e reflexão sobre Portugal do século XIX, cativante e  actualíssimo.
Leia!

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