11 setembro, 2015

"A ridícula ideia de não voltar a ver-te" - Rosa Montero

Para viver temos de narrar-nos…
Foi o que fez Marie Curie (1867-1934), uma polaca naturalizada francesa, um dos maiores génios da ciência do século XX, ganhou dois prémios Nobel: um de Física, em 1903, em parceria com o marido, Pierre Curie, e outro de Química, em 1911, sózinha. Descobriu o polónio e o rádio. A radioatividade acabou por destrui-la, mas manteve-se activa até à sua morte, aos sessenta e sete anos.
A mágoa aguda é uma alienação. Calamo-nos e fechamo-nos.
Foi o que fez Marie Curie quando lhe trouxeram o cadáver de Pierre: encerrou-se no mutismo, no silêncio, numa frieza pétrea e aparente. Estavam casados há onze anos e tinham duas filhas, a mais pequena com catorze meses. Nessa manhã, Pierre saíra a caminho do trabalho, como sempre, almoçou com colegas, ao voltar ao laboratório, escorregou e caiu diante de um pesado carro de transporte de mercadorias. Os cavalos evitaram-no, mas uma roda traseira rebentou-lhe o crânio. Faleceu de imediato.
Foi na história desta mulher, que Rosa Montero encontrou inspiração e força, para voltar à escrita depois da morte de Pablo, o marido, em 2009, seis meses depois de lhe ter ser diagnosticado um cancro.
Depois de ler o diário do luto de Marie - onde anota com obsessivo pormenor os últimos dias que viveu com Pierre, os seus últimos atos, as últimas palavras – e todas as biografias que encontrou, decidiu contar a vida dolorosa daquela mulher, “como medida” para entender a sua própria dor e acatar inquietações.
O método escolhido foi o entrelaçar das suas memórias pessoais com as memórias colectivas daquela mulher pequenina, triste, inteligente, ousada, invejada, reconhecida mundialmente.
Pablo, o companheiro de uma vida, “aparece” pouco neste livro. Sobre ele, diz ela: possuía uma inteligência enorme e originalíssima (…) era teimoso, resmungão, sedutor, honesto, escrevia muito bem e era um ótimo jornalista, além de elegante, atlético e meticuloso, e gostava tanto do silêncio como das discussões (…) julgo que não posso dizer mais nada sobre Pablo: o seu lugar fica no centro do silêncio.
É triste mas belo, este último livro de Rosa Montero.
Sobre a morte, ela aconselha: … é preciso fazer alguma coisa com a morte. É preciso fazer alguma coisa com os mortos. É preciso pôr-lhes flores. Falar com eles. Dizer que os amamos e que sempre o fizemos. É melhor fazê-lo ao vivo; senão, também o podemos declarar depois. Podemos gritá-lo ao mundo. Ou então escrevê-lo num livro como este. Pablo, que pena ter esquecido que podias morrer, que podia perder-te. Se tivesse essa consciência, ter-te-ia amado não mais, mas melhor, Ter-te-ia dito muito mais vezes que te amava. Teria discutido menos por tontices. Ter-me-ia rido mais.
Mas, avisa, e eu confirmo, este não é um livro sobre a morte. É sim, sobre a superação da dor, das relações entre homens e mulheres, do esplendor do sexo, da morte e da vida, da ciência e da ignorância, da força salvadora da literatura e da sabedoria dos que aprendem a gozar a existência em plenitude.

Habituei-me a rir com a escrita de Rosa Montero em "A louca da casa", romance que continuo a considerar, excelente, apaixonante, hilariante e muito inteligente. Ao lê-lo, ri, ri, ri.
Agora, com “A ridícula ideia de não voltar a ver-te” - bem, não chorei, mas pouco faltou - aprendi a celebrar serena e plenamente a vida com os meus entes queridos, porque... breve é o nosso dia e imensa a noite.
Celebremos, todos!

A ridícula ideia de não voltar a ver-te, de Rosa Montero
Tradução de Helena Pitta
Porto Editora, 2015-09-05
175 págs.

4 comentários:

  1. Gostei deste livro, que li há pouco tempo.

    Bom fim-de-semana e boas leituras:)

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  2. Bom texto. Vai para a wishlist. :)

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  3. Um livro que nunca tinha considerado. A razão, nem eu sei.
    Gostei da análise.

    Boas leituras Teresa :)

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  4. Olá Isabel, João e Denise,
    Trata-se da história inquietante mas surpreendente, de duas mulheres espantosas.
    O que eu aprendi sobre Marie Curie...
    Bjs. e boas leituras.

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