20 junho, 2015

"Mataram a cotovia" - Harper Lee

As cotovias não fazem nada a não ser cantar belas melodias para nós… é por isso que é pecado matar uma cotovia.
Scout, ou melhor, Jean Louise Finch, é a protagonista/narradora de “Mataram a cotovia” (1960) único romance de Harper Lee, publicado em 1960 e vencedor do Prémio Pulitzer, no ano seguinte.
É extraordinário!
Acreditem que vão gostar de conhecer Scout, a garota sulista, curiosa e destemida, a maria-rapaz que prefere jardineiras a vestidos, a leitora de tudo a que pudesse deitar a mão, a rebelde que usa os punhos para resolver as discussões com os colegas. E ganha-lhes!
Num jeito muito próprio, Scout desvenda pormenores deliciosos e empolgantes sobre a sua família, sobre o amigo Dill, os vizinhos, a misteriosa reclusão de Boo Radley, sobre as aulas numa escola frequentada por meninos maltrapilhos, desinteressados e violentos. Mas também, sobre a vida em Maycomb, uma pequena cidade do Alabama, durante a Grande Depressão, na América em luta pelos direitos civis.
Vivíamos na principal rua residencial da cidade: o Atticus (pai), o Jem (irmão) e eu, mais a Calpurnia, a nossa cozinheira. Eu e o Jem achávamos o nosso pai razoável: ele brincava connosco, lia para nós e tratava-nos com um distanciamento cortês. (…) Eu tinha dois anos quando a nossa mãe morreu, por isso nunca senti a sua ausência… O Atticus conheceu-a quando foi eleito pela primeira vez para a comissão legislativa do estado. Ele era já um homem de meia-idade, ela tinha menos quinze anos. O Jem era fruto do seu primeiro ano de casamento; quatro anos mais tarde nasci eu e dois anos depois a nossa mãe morreu de um súbito ataque cardíaco.
E vão empolgar-se com as suas brincadeiras, descobertas e traquinices, sempre na companhia do irmão e de Charles Baker Harris (Dill) o amigo das férias de verão, um ano mais velho do que ela, cuja chegada à cidade ela esperava ansiosamente. O verão era o Dill, o garoto cuja imaginação fervilhava de planos excêntricos, estranhos desejos e bizarras fantasias.
E vão espantar-se com as perguntas que ela faz ao pai, Atticus Finch, o conceituado e corajoso advogado, defensor dos mais pobres e dos negros, que habitou os filhos à linguagem jurídica, e que os encoraja a reflectirem, e não se deixarem arrastar pela ignorância e o preconceito da sociedade racista.
- Defendes pretos, Atticus?
- Claro que sim. Não digas pretos, Scout. É feio.
- Mas é o qu’toda a gente diz na escola.
- Então, a partir de agora passa a ser toda a gente, menos uma pessoa…
É então que surge o "caso" que põe a cidade em polvorosa e a vida dos Finch em perigo:
Tom Robinson, um habitante negro da cidade, é acusado de violação de uma rapariga branca, filha de pai alcoólico, violento e racista. Quando a comunidade branca se prepara para resolver o assunto através do linchamento do negro, o advogado Atticus aceita defendê-lo.
Preocupado mas decidido a seguir em frente, Atticus avisa a filha:
… ao longo da sua vida um advogado tem sempre um caso que o afecta a nível pessoal. Penso que este é o meu. Com certeza
vais ouvir algumas coisas desagradáveis na escola, mas faz-me um favor: mantém a cabeça levantada e os punhos em baixo. Não ligues ao que te possam dizer e, sobretudo, não deixes que eles te irritem.
O que se passou realmente entre Tom Robinson e Mayellla, naquela noite de Novembro de 1935?
O que vai acontecer a Tom?
E a Atticus? E aos filhos? E a Dill, o garoto que aparece na cidade, sempre sózinho, nas férias de verão?
E a Maycomb, a cidade onde o homem branco, violento e racista não respeita os direitos das mulheres, dos mais pobres e dos negros?
As repostas estão todas nesta história de aventuras, onde nada falta: amizade, amor, mistério, aventura, violência, intriga, crime, justiça, histerismo social e muitas e admiráveis personagens... nem sequer uma cotovia, que na escuridão da noite vai derramando o seu repertório numa abençoada ignorância...

Excelente leitura para as férias do próximo verão.
Os mais jovens, irão exultar com as aventuras de Scout, Jem e Dill.
Os menos jovens, irão "voltar" à adolescência e reviver as suas aventuras... e desventuras.
Acontece a todos!

Não matem a cotovia, de Harper Lee 
Tradução de Fernando Ferreira-Alves
Relógio d’Água, 2012
340 págs.

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