30 junho, 2015

Aprender a suportar a aflição… em “A vantagem de ser mulher”, de Susan Bolen-Hoeksem

Não estou assustada e não vou partir para o ataque (de pânico). Eu consigo lidar com isto – e já lidei com coisas muito mais difíceis! Eu consigo enfrentar isto.
Quando nos alteramos, os nossos corpos reagem de formas previsíveis. O nosso ritmo cardíaco e a nossa atenção arterial aumentam e começamos a respirar mais rapidamente. (…)
Todo o sangue que nos aflui à cabeça e ao coração parece estar prestes a explodir nos nossos peitos. Sentimo-nos como se estivéssemos sufocar e começamos a arfar com falta de ar. Ficamos tontos e com os pensamentos confusos.

Exercício de relaxamento
Quando detectam pela primeira vez que estão perturbados, alguns de nós entram em pânico pelo próprio facto de estarem a ficar perturbados.«Oh não, estou a começar a perder o controlo! O meu coração está a bater depressa! Não consigo respirar! Não devia estar a sentir-me assim! O que se passa comigo?» Claro que estes pensamentos só aumentam o ritmo cardíaco, a tensão arterial e a respiração, confirmando o medo de estarem a perder o controlo. Estes pensamentos do tipo bola de neve e reacções corporais podem causar um ataque de pânico total ou, no mínimo, tornar a aflição insuportável. Só querem fugir da situação.
Para pôr termo a este efeito de bola de neve uma vez iniciada, precisa de fazer exactamente a coisa que não se imagina a fazer – relaxar.
Pare, feche os olhos e inspire longa e profundamente. Retenha o ar por dois ou três segundos. Depois, expire lenta e completamente, permitindo que os ombros e maxilar caiam. Sinta a relaxamento a fluir nos braços e mãos. Repita isto várias vezes.
As mulheres conseguem suportar a aflição e estão melhor equipadas para a aliviar."

Comigo resultou, nas últimas semanas.
Mas como sou filha de cardíaco… juntei aos exercícios de relaxamento uma consulta médica e exames de diagnóstico.
Os exames provaram que está tudo bem, com a minha "máquina". Que alívio!
Ataques de pânico? Bem, vou relaxar.

11º - Está num livro de José Saramago. Sabe qual é?


“Têm razão os cépticos quando afirmam que a história da humanidade é uma interminável sucessão de ocasiões perdidas. Felizmente, graças à inesgotável generosidade da imaginação, cá vamos suprindo as faltas, preenchendo as lacunas o melhor que se pode, rompendo passagens em becos sem saída e que sem saída irão continuar, inventando chaves para abrir portas órfãs de fechaduras ou que nunca as tiveram. É o que está fazendo fritz neste momento enquanto solimão, levantando as pesadas patas com dificuldade, um, dois, um, dois, pisa a neve que continua a acumular-se no caminho, enquanto a pura água de que ela é feita insidiosamente se vai convertendo no mais resvaladiço dos gelos.”

Se já leu, é fácil chegar lá. Vire as páginas. Releia. Deslumbre-se.
Se acertar, ganhará... um enorme aplauso!

O título do livro nº 10 é:
Todos os nomes”, Editorial Caminho, 2000

26 junho, 2015

"Poesias completas" - António Gedeão

António Gedeão (pseudónimo de Rómulo Vasco da Gama de Carvalho), nasceu em Lisboa, em Novembro de 1906 e faleceu em Fevereiro de 1997.
Licenciou-se em Ciências Físico-Químicas e em Ciências Pedagógicas.
Foi professor, pedagogo, historiador e investigador. E poeta.
Tinha cinquenta anos quando publicou o primeiro livro de poemas “Movimento Perpétuo” e logo entrou para o grupo dos melhores poetas portugueses.
A sua poesia original – por ligar ciência com sentimentos - marcou toda uma geração reprimida por um regime ditatorial, mas que nunca deixou de sonhar e acreditar que era possível encontrar o caminho para a liberdade.
Foi bom reler estes poemas. Destaco dois, talvez os mais célebres: “Pedra filosofal” e “Lágrima de preta”, ambos musicados e cantados por Manuel Freire. O primeiro tornou-se um hino à liberdade. O segundo, uma extraordinária condenação do Racismo.
Grande António Gedeão!

PEDRA FILOSOFAL
Eles não sabem que o sonho
é uma constante da vida
tão concreta e definida
como outra coisa qualquer, como esta pedra cinzenta
em que me sento e descanso,
como este ribeiro manso
em serenos sobressaltos,
como estes pinheiros altos
que em verde e oiro se agitam,
como estas aves que gritam
em bebedeiras de azul.

Eles não sabem que o sonho
é vinho, é espuma, é fermento,
bichinho álacre e sedento,
de focinho pontiagudo,
que fossa através de tudo
num perpétuo movimento.

Eles não sabem que o sonho
é tela, é cor, é pincel,
base, fuste, capitel,
arco em ogiva, vitral, pináculo de catedral,
contraponto, sinfonia,
máscara grega, magia,
que é retorta de alquimista,
mapa do mundo distante,
rosa-dos-ventos, Infante,
caravela quinhentista,
que é Cabo da Boa Esperança,
ouro, canela marfim,
florete de espadachim,
bastidor, passa do dança,
Colombina e Arlequim,
passarola voadora,
pára-raios, locomotiva,
barco de proa festiva,
alto-forno, geradora,
cisão do átomo, radar,
ultra-som, televisão,
desembarque em foguetão
na superfície lunar.

Eles não sabem, nem sonham,
Que o sonho comanda a vida.
Que sempre que um homem sonha
O mundo pula e avança
Como boa colorida
Entre as mãos de uma criança.

LÁGRIMA DE PRETA
Encontrei uma preta
que estava a chorar,
pedi-lhe uma lágrima
para a analisar.

Recolhi a lágrima
com todo o cuidado
num tubo de ensaio
bem esterilizado.

Olhei-a de um lado,
do outro e de frente:
tinha um ar de gota
muito transparente.

Mandei vir os ácidos,
as bases e os sais,
as drogas usadas
em casos tais.

Ensaiei a frio,
experimentei ao lume,
de todas as vezes
deu-me o que é costume:

nem sinais de negro,
nem vestígios de ódio.
Água (quase tudo)
e cloreto de sódio.

23 junho, 2015

Quer perder peso? Leia "O segredo", de Rhonda Byrne

Ao arrumar tralha acumulada numa gaveta descobri "O Segredo".
Oferta de uma amiga em 2007, recordo-me de ter agradecido e pensado de imediato "para que quero eu isto?"
Acontece que agora gostei de o encontrar, porque me lembrou a amiga que partiu em 2013.
É a vida!
Antes de voltar a guardá-lo, agora numa gaveta com fechadura, folheei-o e descobri algo que pode ajudar quem tem preocupações com o excesso de peso. Como o verão está a chegar, eis uma preciosa ajuda:
A primeira coisa a saber é que, quando você se foca em perder peso, atrai de volta o facto de ter de perder peso, por isso, tire o “preciso de perder peso” da cabeça. Essa é a razão por que as dietas não funcionam. Como está focado em perder peso, atrai continuamente de volta o facto de ter de perder peso.
Está atordoado?
A segunda coisa é saber que o seu excesso de peso foi criado pelo seu pensamento sobre a questão. Ou, por palavras mais simples, se alguém tem excesso de peso, ele foi provocado por “pensamentos gordos”, quer essa pessoa estivesse consciente disso quer não. Ninguém tem “pensamentos magros” e é gordo.
Está baralhado?
Os alimentos não são responsáveis por você ganhar peso. É o seu pensamento de que a comida é responsável pelo aumento de peso que leva os alimentos a engorda-lo. Lembre-se, os pensamentos são a principal causa de tudo, e o resto é um efeito desses pensamentos. Tenha pensamentos perfeitos e o resultado será um peso perfeito.
Está assarapantado?
Pois saiba que “O Segredo” – compilação de testemunhos de pessoas que Rhonda Byrne considera serem Mestres do Segredo - é um dos livros mais vendidos no mundo. 
Está pasmado?
Também eu!

Bom... pelo sim, pelo não, vou focar-me em "pensamentos magros"... para ver se perco a chave da minha gaveta...

20 junho, 2015

"Mataram a cotovia" - Harper Lee

As cotovias não fazem nada a não ser cantar belas melodias para nós… é por isso que é pecado matar uma cotovia.
Scout, ou melhor, Jean Louise Finch, é a protagonista/narradora de “Mataram a cotovia” (1960) único romance de Harper Lee, publicado em 1960 e vencedor do Prémio Pulitzer, no ano seguinte.
É extraordinário!
Acreditem que vão gostar de conhecer Scout, a garota sulista, curiosa e destemida, a maria-rapaz que prefere jardineiras a vestidos, a leitora de tudo a que pudesse deitar a mão, a rebelde que usa os punhos para resolver as discussões com os colegas. E ganha-lhes!
Num jeito muito próprio, Scout desvenda pormenores deliciosos e empolgantes sobre a sua família, sobre o amigo Dill, os vizinhos, a misteriosa reclusão de Boo Radley, sobre as aulas numa escola frequentada por meninos maltrapilhos, desinteressados e violentos. Mas também, sobre a vida em Maycomb, uma pequena cidade do Alabama, durante a Grande Depressão, na América em luta pelos direitos civis.
Vivíamos na principal rua residencial da cidade: o Atticus (pai), o Jem (irmão) e eu, mais a Calpurnia, a nossa cozinheira. Eu e o Jem achávamos o nosso pai razoável: ele brincava connosco, lia para nós e tratava-nos com um distanciamento cortês. (…) Eu tinha dois anos quando a nossa mãe morreu, por isso nunca senti a sua ausência… O Atticus conheceu-a quando foi eleito pela primeira vez para a comissão legislativa do estado. Ele era já um homem de meia-idade, ela tinha menos quinze anos. O Jem era fruto do seu primeiro ano de casamento; quatro anos mais tarde nasci eu e dois anos depois a nossa mãe morreu de um súbito ataque cardíaco.
E vão empolgar-se com as suas brincadeiras, descobertas e traquinices, sempre na companhia do irmão e de Charles Baker Harris (Dill) o amigo das férias de verão, um ano mais velho do que ela, cuja chegada à cidade ela esperava ansiosamente. O verão era o Dill, o garoto cuja imaginação fervilhava de planos excêntricos, estranhos desejos e bizarras fantasias.
E vão espantar-se com as perguntas que ela faz ao pai, Atticus Finch, o conceituado e corajoso advogado, defensor dos mais pobres e dos negros, que habitou os filhos à linguagem jurídica, e que os encoraja a reflectirem, e não se deixarem arrastar pela ignorância e o preconceito da sociedade racista.
- Defendes pretos, Atticus?
- Claro que sim. Não digas pretos, Scout. É feio.
- Mas é o qu’toda a gente diz na escola.
- Então, a partir de agora passa a ser toda a gente, menos uma pessoa…
É então que surge o "caso" que põe a cidade em polvorosa e a vida dos Finch em perigo:
Tom Robinson, um habitante negro da cidade, é acusado de violação de uma rapariga branca, filha de pai alcoólico, violento e racista. Quando a comunidade branca se prepara para resolver o assunto através do linchamento do negro, o advogado Atticus aceita defendê-lo.
Preocupado mas decidido a seguir em frente, Atticus avisa a filha:
… ao longo da sua vida um advogado tem sempre um caso que o afecta a nível pessoal. Penso que este é o meu. Com certeza
vais ouvir algumas coisas desagradáveis na escola, mas faz-me um favor: mantém a cabeça levantada e os punhos em baixo. Não ligues ao que te possam dizer e, sobretudo, não deixes que eles te irritem.
O que se passou realmente entre Tom Robinson e Mayellla, naquela noite de Novembro de 1935?
O que vai acontecer a Tom?
E a Atticus? E aos filhos? E a Dill, o garoto que aparece na cidade, sempre sózinho, nas férias de verão?
E a Maycomb, a cidade onde o homem branco, violento e racista não respeita os direitos das mulheres, dos mais pobres e dos negros?
As repostas estão todas nesta história de aventuras, onde nada falta: amizade, amor, mistério, aventura, violência, intriga, crime, justiça, histerismo social e muitas e admiráveis personagens... nem sequer uma cotovia, que na escuridão da noite vai derramando o seu repertório numa abençoada ignorância...

Excelente leitura para as férias do próximo verão.
Os mais jovens, irão exultar com as aventuras de Scout, Jem e Dill.
Os menos jovens, irão "voltar" à adolescência e reviver as suas aventuras... e desventuras.
Acontece a todos!

Não matem a cotovia, de Harper Lee 
Tradução de Fernando Ferreira-Alves
Relógio d’Água, 2012
340 págs.

16 junho, 2015

"O banqueiro anarquista" - Fernando Pessoa


“O banqueiro anarquista” - crónica escrita para o primeiro número da revista Contemporânea, em Maio de 1922  - reproduz uma conversa entre dois amigos. Conversa que gira à volta de um único tema: o Anarquismo.
Tínhamos acabado de jantar. Defronte de mim o meu amigo, o banqueiro, grande comerciante e açambarcador notável, fumava como quem não pensa. A conversa que fora amortecendo, jazia morta entre nós. Procurei reanimá-la, ao acaso, servindo-me de uma ideia que me passou pela meditação. Voltei-me para ele, sorrindo:
- É verdade: disseram-me há dias que você em tempos foi anarquista…
- Fui, não: fui e sou. Não mudei a esse respeito. Sou anarquista.
- Essa é boa! Você anarquista! Em que é que você é anarquista?... Só se você dá à palavra qualquer sentido diferente…
- Do vulgar? Não: não dou. Emprego a palavra no sentido vulgar.
- Quer você dizer então, que é anarquista exactamente no mesmo sentido em que são anarquistas esses tipos das organizações operárias? Então entre você e esses tipos da bomba e dos sindicatos não há diferença nenhuma?
- Diferença, diferença, há… Evidentemente que há diferença. Mas não é a que você julga.
E vá de elucidar o amigo sobre as diferenças...
A diferença é só esta: eles são anarquistas só teóricos, eu sou teórico e prático; eles são anarquistas místicos e eu científico; eles são anarquistas que se agacham, eu sou um anarquista que combate e liberta… Em uma palavra: eles são pseudo-anarquistas, e eu sou anarquista.
... e sobre o processo e os meios de que se serviu, legitimamente, como anarquista, para enriquecer:
Como subjugar o dinheiro, combatendo-o? Como furtar-me à sua influência e tirania, não evitando o seu encontro? O processo era só um – adquiri-lo, adquiri-lo em quantidade bastante para lhe não sentir a influência; e em quanto mais quantidade o adquirisse, tanto mais livre eu estaria dessa influência. Foi quando vi isto claramente, com toda a força da minha lógica de homem lúcido, que entrei na fase actual – a comercial e bancária, meu amigo – do meu anarquismo.

Leia esta história pequenina (55 págs.), crítica, provocatória, hilariante e... actualíssima. 
... dá vontade de rir, mesmo depois de o ter ouvido, comparar o que você é com o que são os anarquistas que para aí há…
"As tretas” deste banqueiro anarquista dão vontade de rir, já as de outros banqueiros...

12 junho, 2015

"Os passos em volta" - Herberto Helder

Se eu quisesse, enlouquecia. Sei uma quantidade de histórias terríveis. Vi muita coisa, contaram-me casos extraordinários, eu próprio... Enfim, às vezes já não consigo arrumar tudo isso. (Estilo)
Encontrei em “Os passos em volta”, publicado em 1963, um conjunto de historias engraçadas, inteligentes, irónicas, bem escritas, sobre a busca do poeta-homem de um sentido existencial, numa viagem incessante, angustiante e melancólica por vários lugares do mundo.
Incursão rara do poeta na prosa narrativa, as vinte e três histórias lêem-se num ápice.
Eis três excertos, escolhidos aleatoriamente:
Lugar lugares
“Era uma vez um lugar com um pequeno inferno e um pequeno paraíso, e as pessoas andavam de um lado para o outro, e encontravam-nos, a eles, ao inferno e ao paraíso, e tomavam-nos como seus, e eles eram seus de verdade. As pessoas eram pequenas, mas faziam muito ruído. E diziam: é o meu inferno, é o meu paraíso. E não devemos malquerer às mitologias assim, porque são das pessoas, e neste assunto de pessoas, amá-las é que é bom. E então a gente ama as mitologias delas. À parte isso o lugar era execrável. As pessoas chiavam como ratos, e pegavam nas coisas e largavam-nas, e pegavam umas nas outras e largavam-se. Diziam: boa tarde, boa noite. E agarravam-se, e iam para a cama umas com as outras, e acordavam. Às vezes acordavam no meio da noite e agarravam-se freneticamente. Tenho medo – diziam. E depois amavam-se depressa e lavavam-se, e diziam: boa noite, boa noite.”
Polícia
“Annemarie sentou-se à minha mesa. Vi logo o tamanho da sua solidão: tinha o tamanho do mundo. Ela era a criatura mais só do mundo. E a sua história apareceu – simples, tenebrosa – entre as nossas duas cervejas. Todas as histórias pessoais são simples e tenebrosas. Não me comovi. Comovido já eu estava: com as coisas, comigo com a chuva sobre a cidade. (…)
Annemaria tinha o dom da poesia subversiva. Subvertia tudo. A seu lado senti que a minha vida era importante. Que a ariscaria, sempre e sempre, que perderia, mas não cedendo de mim próprio. O amor do perigo embebedava-me.
Começámos então a lutar contra a polícia do mundo inteiro.”
Poeta obscuro
"Acerca da frase - «Meus Deus, faz com que eu seja sempre um poeta obscuro.» - julgo haver alguma coisa a explicar. Para já não sei onde a li, se a li, pois bem pode ser que ma tenham referido e uma frase referida, não lida, torna-se menos do autor. Tracei-a a lápis na parede em frente da cama. Estava sempre a vê-la. Isto à noite, no meio da noite, quando de súbito abria a luz e dizia para mim mesmo: - Não estou cego. – Ou, quando, acordando bastante tarde, verificava com surpresa que não tinha morrido durante o sono. Sofro destes tormentos da imaginação ou da sensibilidade desordenada. Neurose. «Faz com que eu seja sempre um poeta obscuro.»
…é na morte de um poeta que se principia a ver que o mundo é eterno.
H.H. poeta obscuro? Nunca!
Leia, por favor!

Os passos em volta, de Herberto Helder
Ed. Assírio & Alvim (9ª edição), 2006
194 págs.

09 junho, 2015

Tentava ler aleatoriamente… em “Stoner”, de John Williams


"Tentava ler aleatoriamente, para seu próprio prazer e indulgência, muitos dos livros que esperara anos para poder ler. Mas a sua mente não se deixava levar até aonde ele queria. A sua atenção desviava-se das páginas que tinha diante de si e, com frequência cada vez maior, dava por si a olhar fixamente em frente, para o vazio. Era como se, aos poucos, a sua mente se esvaziasse de tudo o que sabia e a força se lhe esvaísse da vontade. Por vezes, sentia-se como uma espécie de vegetal e ansiava por qualquer coisa – nem que fosse a dor – que o trespassasse, que o insuflasse de vida.
Chegara àquela idade em que lhe ocorria, com crescente intensidade, uma pergunta de uma simplicidade tão avassaladora que não tinha como a enfrentar. Dava por si a perguntar-se se a sua vida valeria a pena, se alguma vez valera a pena. Era uma pergunta, desconfiava ele, que assolava todos os homens a dada altura; perguntou-se se os assolaria com uma força tão impessoal como o assolava a ele. A pergunta acarretava uma tristeza, mas era uma tristeza geral que (pensava ele) pouco tinha que ver consigo ou com o seu destino em particular. Nem sequer tinha a certeza se a pergunta surgia das causas mais imediatas e óbvias, daquilo que a sua própria vida se tornara."

05 junho, 2015

"O olhar de um desconhecido" - Karin Fossum

Alvor queria abrir aquele documento (…) Talvez fosse mesmo um diário. Era, evidentemente uma missão impossível, pensou, olhando desconcertado para o teclado, onde dez números, vinte e nove letras e uma série de outros sinais formavam um número de combinações que ele nem sequer podia imaginar (…) As palavras ACCESS DENIED surgiram no ecrã.
Aviso: A escritora norueguesa Karin Fossum é apelidada de “Rainha Nórdica do Romance Policial”.

Feito o aviso, vou desvendar muito pouco sobre a trama deste policial - bem escrito, inteligente, repleto de mistério e suspense - para que todos os que por aqui passarem, pararem e lerem, poderem acompanhar o inspector Sejer nas investigações sobre o assassinato de uma jovem de dezanove anos, na pacata aldeia de Granittvei, na Noruega, e com ele descobrir a identidade do criminoso.
Hum!
Tudo começa com o desaparecimento de Ragnhilde, uma menina de seis anos, as diligências policiais para descoberta do seu paradeiro e a sua inesperada entrada em casa, horas volvidas, sã e salva.
Mais tarde, ela conta que um homem estranho lhe deu boleia para casa, que antes passaram por casa dele, que ali lanchou, que ele lhe mostrou muitos coelhinhos, que a levou até um lago, que a acompanhou a casa. Nada mais.
Esse homem é Raymond, um mongolóide com cerca de trinta anos, que conduz sem carta de condução a carrinha desconjuntada, velha e suja do pai inválido. Visto por todos os habitantes da aldeia como um bom rapaz por tratar sozinho do pai acamado, Raymond é um tipo muito especial, que só conduz em segunda, capaz de travar de repente para deixar passa uma joaninha. Tão especial que no finalzinho da história volta a ... (calma, Teresa).
Ragnhilde conta ainda que viu uma mulher nua deitada na margem do lago.
A polícia procura e encontra o cadáver de uma mulher junto da água negra do pequeno lago, no interior de um bosque cerrado. O corpo branco e desnudado, em parte coberto por uma parca escura, sem sinais visíveis de violência é de Annie Soffie, uma rapariga reservada e sossegada, boa estudante, desportista, baby-sitter muito conhecida e estimada na aldeia.
Depois, o inspector Sejer Konrad começa a investigar - afogamento ou homicídio?
Pistas, muitas pistas… interrogatórios, muitos interrogatórios… e Sejer “caça” o assassino.
Quer que lhe diga quem é ele?
É Alvor, o namorado de Annie. Não, não, é Knut, o seu treinador. É Henning, o comerciante de tapetes que lhe deu uma boleia no fatídico dia. É Erik o vizinho bisbilhoteiro. É Bjork, o pai da meia-irmã de Annie. É Eddie, o pai. Não, é Raymond. É… É…
Agora vou mesmo dizer. Aqui vai…
ACCESS DENIED.
Estupendo!
(Quero ler mais policiais. Aceito sugestões.)

O olhar de um desconhecido, de Karin Fossum
Tradução de Maria Jorge Vilar de Figueiredo
Ed. Presença, 2005
261 págs.

02 junho, 2015

10º - Está num livro de José Saramago. Sabe em qual?


“Sou auxiliar de escrita da Conservatória Geral do Registo Civil, Então veio mesmo a jeito para saber a verdade sobre o talhão dos suicídios, mas antes disso terá de me jurar solenemente que nunca descobrirá o segredo a ninguém, Juro pelo que de mais sagrado tenho na vida, E que é, para si, agora, o mais sagrado que tem na vida, Não sei, Tudo, Ou nada, Tem de reconhecer que iria ser um juramento um tanto vago, Não vejo outro que valha mais, Homem, jure pela sua honra, dantes era o juramento mais seguro, Pois, sim, jurarei pela minha honra, mas olhe que o chefe da Conservatória fartar-se-ia de rir se ouvisse um dos seus auxiliares de escrita a jurar pela honra…”

Se já leu, é fácil chegar lá. Vire as páginas. Releia. Deslumbre-se.
Se acertar, ganhará... um enorme aplauso!

O título do livro nº 9 é:
A caverna”, Editorial Caminho, 2000