20 março, 2015

"Uma casa na escuridão" - José Luís Peixoto

A minha mão direita tremeu durante todo o mês da noite e, disso, só o sofrimento, só a ansiedade. E não conseguia escrever. Escrevia pouco. Pensava muito. Dava muitas voltas. E escrevia uma palavra e um ponto final: palavra. Passava horas para me obrigar a escrever uma palavra e, depois, passava horas a repeti-la, encantado pela sua tristeza, pois todas as palavras eram tristes.
Bem, também eu não consigo escrever. Escrever sobre o que li.
Por mais que pense, por mais que procure, não encontro as palavras certas.
Dias depois de terminar a leitura das 253 páginas de texto denso, continuo atordoada com a força das palavras do escritor - que vive numa casa envelhecida e escura, com o pai (que escreve sonetos; que se fecha no quarto com a escrava madalena e fazem sons de homem e mulher; que mata a amante para não morrer sozinho), com a mãe (que sabia e fingia que não sabia; que perdeu o interesse pela vida como se perdesse a própria vida), a escrava miriam e muitos gatos de várias cores.
Escritor que fecha os olhos e vê no negro absoluto a mulher amada. A mulher mais linda do mundo. A mulher que vive dentro dele. A mulher com quem fala através da escrita.
Escrita de histórias arrebatadoras sobre a vida, os sonhos, o amor, a felicidade, a solidão, a tristeza, o medo, o terror, o sofrimento, o mal, a morte.
Histórias vividas num tempo que passa devagar. Mas, devagar, o tempo transforma tudo em tempo. O ódio transforma-se em tempo, o amor transforma-se em tempo, a dor transforma-se em tempo. Os assuntos que julgávamos mais profundos, mais impossíveis, mais permanentes e imutáveis, transformam-se devagar em tempo. Por si só, o tempo não é nada. A idade de nada é nada. A eternidade não existe e, no entanto, a eternidade existe.
Histórias mirabolantes com personagens surpreendentes: o príncipe de calicatri, o visconde de dedodida, o violinista, o ninguém, o editor, a tradutora (um dia falou-me do pai e do filho que morreram no meu romance, falou-me dos dois irmãos siameses que morreram, falou-me do homem muito velho que morreu no meu romance, daquele pai e daquele filho que eu escrevera…).
Hum! Eu já li sobre isto num outro romance…
Quem é afinal o escritor-narrador desta casa escura, para quem o silêncio era o significado das palavras muito verdadeiras?
Ele ajuda:
O meu nome: três palavras escritas num papel: três palavras: o nome do meu avô paterno, o nome do meu avô materno e o nome de família do meu pai.

Não foi  tarefa fácil ler este romance. 
É sinistro, escuro, triste… É luminoso, belo e viciante… É uma tempestade de ternura.
«Primeiro estranha-se, depois entranha-se».
Por favor, leia!

Uma casa na escuridão, de José Luís Peixoto
Ed. Quetzal, 2002
253 págs.

1 comentário:

  1. Gosto imenso das obras de José Luís Peixoto.
    Muito curiosa para ler o livro em questão.

    Boas leituras

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