06 março, 2015

"O meu irmão" - Afonso Reis Cabral

Quando não há solução, enfrentamos a realidade, fazemo-nos homens. Adaptamo-nos. Sobrevivemos. Vencemos, lutamos, ou pelo menos somos derrotados em grande no combate que é a vida. Com o Miguel não se passa isso, ele mantém-se no mesmo estado de espírito, à semelhança de um pássaro de asa partida que ainda salta para voar. Salta e magoa a asa.
É lindo este romance.
A história, contada em saltos entre presente e passado, prendeu-me logo no primeiro parágrafo: Isto vai passar-se no Tojal. O Tojal é perto de Arouca e longe de tudo o resto. Depois, foi ler, quase de seguida, as 365 páginas de escrita fluída e graciosa. E fiquei boquiaberta, encantada e envergonhada.
Boquiaberta com os vinte e quatro anos de idade de Afonso Reis Cabral. Vinte e quatro!
Encantada com a forma como ele aborda um tema sério e delicado, sem cair no excessivo sentimentalismo.
Envergonhada por saber tão pouco sobre a Síndrome de Down.
-Olha para mim, meu parvalhão. Como te chamas?
- Miguel.
- E eu?
- Mano.
- Eu sou teu irmão, não me chamo irmão.
- Sei.
- Sabes o quê?
E nisto a língua no discurso como faca na manteiga.
- Sei que tu és meu irmão e que não te chamas assim, estava a brincar.
Recorro à sinopse, concisa e perfeita, para fugir à vontade louca de citar, citar, citar.
“Com a morte dos pais, é preciso decidir com quem fica Miguel, o filho de 40 anos que nasceu com síndrome de Down. É então que o irmão – um professor universitário divorciado e misantropo – surpreende (e até certo ponto alivia) a família, chamando a sai a grande responsabilidade. Tem apenas mais um ano do que o Miguel, e a recordação do afecto e da cumplicidade que ambos partilharam na infância leva-o a acreditar que a nova situação acabará por resgatá-lo da aridez em que se transformou a sua vida e redimi-lo da culpa de tantos anos de afastamento. Porém, a chegada de Miguel traz problemas inesperados e o maior de todos chama-se Luciana.”
Mas… sem divulgar muito (para não estragar) sempre vou dizendo que:
- trata da relação complicada de dois irmãos parecidos de modos diferentes. Miguel, claro, mongolóide e o irmão mais velho (o narrador, sem nome) que nascera inteligente e perfeito;
- há, lá pelo meio, uma belíssima e triste história de amor. O amor de Miguel por Luciana, uma apanhadita do cérebro que conhece numa aula de pintura. Um amor em carne, amor em força bruta, amor à flor da pele. Um amor tão intenso que torna difícil perceber o fim de um e o começo do outro. 
Um amor que  o irmão mais velho não entende nem aceita e teima em contrariar. Atormentado, insiste na pergunta,
- Gostas de mim?
mesmo sabendo que a resposta é sempre a mesma,
- Da Luciana, da Luciana.
Um dia, Miguel e Luciana fogem.
E mais não digo. Leia!

Sendo irmãos, não podíamos ter nascido em lados mais diferente da vida e, no entanto, um de nós conquistara o centro da vida e o outro não.

O Miguel não pensava na vida – ele era a vida, respirava-a com naturalidade, enquanto eu ansiava por fazê-lo.
Que belo e corajoso primeiro romance. Venham mais!

O meu irmão, de Afonso Reis Cabral, Prémio Leya, 2014.
Ed. Leya, 2014
365 págs.

4 comentários:

  1. Um belíssima romance de estreia.
    Uma enorme promessa.
    Gostei imenso também.

    Boas leituras!

    ResponderEliminar
  2. Vou comprar O meu irmão, de Afonso Reis Cabral, logo que chegue ao Porto nos fins de Março.

    ResponderEliminar
  3. Ando curiosa para ler esse livro, uma sobrinha já me disse que depois de ler me emprestava. Suponho que de vez em quando todos precisamos de um "abanão" para perceber que há pessoas diferentes, mas que também têm sentimentos... ;)

    Beijinhos

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Teté, se morasses perto de mim, emprestava-to...
      Vais gostar do "abanão".
      Bjs.

      Eliminar