30 janeiro, 2015

"A festa da insignificância" - Milan Kundera

A insignificância, meu amigo, é a essência da existência. Está connosco sempre e em toda a parte. Está presente mesmo onde ninguém a quer ver: nos horrores, nas lutas sangrentas, nas piores infelicidades. Exige-se-nos muita coragem para a reconhecer em condições tão dramáticas e para a chamar pelo seu nome. Mas, não se trata apenas de a reconhecer, é preciso amá-la, à insignificância, é preciso aprender a amá-la.
Em 2000 Milan Kundera publicou o romance “A ignorância”. E parou. Parou de romancear.
Surpreendentemente, em 2013, com oitenta e cinco anos de idade, publicou “A festa da insignificância”, um romance “não-sério”, sobre o significado da vida, na nossa época. Divertido! Irónico!
Bem, o tema é sério mas Milan Kundera aborda-o à sua maneira: com muito humor e ironia.
O romance está dividido em sete partes. Logo na primeira, os heróis apresentam-se. São cinco amigos parisienses. Cinco personagens de um teatro de marionetas manobradas pelo “mestre” que as inventou.
São diferentes em quase tudo, mas buscam o mesmo: um sentido para a vida.
- ALAIN
Cativado pelo umbigo desnudado das jovens que vê nas ruas, reflecte: Como definir o erotismo de um homem (ou de uma época) que vê a sedução feminina concentrada no meio do corpo, no umbigo?
O umbigo lembra-lhe o último encontro com a mãe. Tinha então dez anos.
- RAMON
De novo na entrada do museu que expõe há um mês quadros de Chagall. De novo desiste sem força suficiente para se deixar transformar benevolentemente numa parte daquela interminável fila que se arrasta lentamente até à caixa, volta a deambular pelo jardim dos génios e a encontrar consolo na calma e indiferença dos passeantes.
É o mais velho dos cinco. Faz parte do exército funesto dos aposentados.
Ama a solidão.
- D’ARDELO
Faltam três semanas para o seu aniversário. Detesta aniversários. Não chega a desdenha-los, porque a felicidade de ser festejado era para ele mais importante do que a vergonha de envelhecer.
Sobe as escadas do consultório médico, onde vai saber se festejará em simultâneo o seu nascimento tão longínquo e a sua morte tão próxima. O sorriso no rosto do médico diz-lhe que a morte se desconvidara.
Mais tarde encontra Ramon. E inventa um cancro. E encomenda uma festa em sua casa.
- CHARLES
No seu vocabulário de descrente, uma só palavra é sagrada: amizade.
Poeta e dramaturgo, sem qualquer livro publicado.
Anda às voltas com uma peça para o teatro de marionetas.
Gosta de contar histórias aos amigos. Sobre Estaline. Sobre a Rússia.
Ganha dinheiro a organizar festas.
- CALIBAN
Actor desempregado. Da última vez que esteve em cena encarnou o selvagem Caliban, n’A Tempestade de Shakespeare.
Ajuda Charles na organização das festas. Troça dos convidados, fazendo-se passar por paquistanês e falando um língua que inventou.

Terminam aqui as revelações sobre o enredo.
Tem de ler para saber mais.
Talvez encontre uma portuguesa na festa do D’Ardelo. Quem sabe!
Leve, divertido, inteligente.
Uma festa!

A festa da insignificância, de Milan Kundera
Tradução de Inês Pedrosa
E. D.Quixote, 2014
152 págs.

27 janeiro, 2015

Preciso de desabafar… em “A festa da insignificância, de Milan Kundera


"- … Estou de muito mau humor. Preciso de desabafar.
- Calha bem. Eu também estou de mau humor. Mas tu, porquê?
- Porque estou zangado comigo. Porque é que aproveito todas as ocasiões para me sentir culpado?
- Isso não é grave.
- Sentirmo-nos culpados ou não. Penso que tudo se resume a isto. A vida é uma luta de todos contra todos. É sabido. (…) Ganhará aquele que conseguir tornar o outro culpado. Perderá quem confessar o seu erro.
(...)
- ... Quem se desculpa declara-se culpado. E se tu te declaras culpado encorajas o outro a injuriar-te, a denunciar-te publicamente, até à tua morte. São essas as consequências fatais da primeira desculpa.
-É verdade. Não é preciso desculparmo-nos. E, todavia, eu preferiria um mundo onde todas as pessoas pedissem desculpa, sem exceção, inutilmente, exageradamente, por nada, onde se atravancassem de desculpas…"

23 janeiro, 2015

"Inês de Castro" - María Pilar Queralt del Hierro

Estavas, linda Inês, posta em sossego,
De teus olhos colhendo doce fruito
Naquele engano da alma, ledo e cego,
Que a Fortuna não deixa durar muito;
(Luis de Camões, Os Lusíadas 1572)

Dizem os manuais que o romance histórico é uma mistura de história e ficção.
Ora, depois de ler “Inês de Castro” posso afirmar que a escritora espanhola María Pilar Queral del Hiero alcançou a mistura perfeita, neste romance sobre os amores dramáticos de D. Inês de Castro e D. Pedro de Portugal.
Reza a lenda, que Inês de Castro foi senhora de grande formosura, que foi o grande amor de D. Pedro, que foi executada a mando do rei D. Afonso IV, que foram as suas lágrimas que criaram a Fonte das Lágrimas no lugar onde viveu com Pedro um grande amor.
Diz ainda a lenda, que depois de subir ao trono, D. Pedro, o rei Justiceiro, a fez aclamar Rainha de Portugal e mandou matar e arrancar o coração dos seus assassinos.
Tudo isto aconteceu no século XIV. Hoje, os sepulcros com os restos mortais dos dois amantes estão colocados de frente um para o outro, no Mosteiro de Santa Maria de Alcobaça. 
Assim perdura a lenda da trágica história de Pedro e Inês.
Mas quem foi, realmente, Inês de Castro?
Escutai…
Inês nasceu em terras galegas, lá onde a névoa confunde os contornos das coisas, o verde transforma os prados em esmeradas e o rumor contínuo da chuva converte a inquietude em suave melancolia. Do mar ali próximo aproveitou o azul dos olhos, dos morros arredondados que rodeavam as suas terras, a harmonia da figura e dos cuidados que auspiciavam o seu nascimento, um ceto magnetismo, a que não escapava ninguém que a contemplasse…
Continue a escutar…
Acredite que esta história é arrebatadora e viciante.
Eu li-a pela primeira vez em 2005 e reli-a agora para o meu “rol de leituras”, com o mesmo entusiasmo.
Aonde vais príncipe Pedro?
Aonde vais, triste de ti? 
A tua amada está morta,
morta está, que eu bem a vi.
Seus cabelos eram de oiro,
e suas mãos de marfim.
Sete condes a choravam,
cavaleiros mais de mil.
Leia!

Inês de Castro, de María Pilar Queralt del Hiero
Tradução de Saul Barata
Ed. Presença, 2003
147 págs.

20 janeiro, 2015

O tempo corre... em "A festa da insignificância", de Milan Kundera



"O tempo corre. Graças a ele, em primeiro lugar somos seres vivos, o que quer dizer: acusados e julgados. Depois, morremos, e permanecemos ainda alguns anos com aqueles que nos conheceram, mas depressa se produz uma outra mudança: os mortos tornam-se velhos mortos, ninguém mais se lembra deles e desaparecem no nada; só alguns, muito, muito raros, deixam os seus nomes nas memórias mas, privados de qualquer testemunha autêntica, de qualquer lembrança real, transformam-se em marionetas…"

12 janeiro, 2015

"As Horas" - Michael Cunningham

Ela sai apressada de casa, com um casaco pesado de mais para o tempo que estava. É o ano de 1941. Começou outra guerra. Deixou um bilhete para Leonard e outro para Vanessa. Caminha decididamente em direcção ao rio, segura do que vai fazer…
Ela é Virgínia Woolf, a escritora inglesa que numa manhã de Junho saiu de casa, caminhou até ao rio, entrou na água com os bolsos cheios de pedras, e afogou-se.
Michael Cunningham conta no Prólogo a caminhada para a morte da autora de "Mrs. Dalloway”, romance que escolheu para  fio condutor das três histórias de “As Horas”. 
Três histórias. Três mulheres. Três vidas em luta com as reivindicações contraditórias do amor, do passado, da esperança e do desespero. Três braçadas de flores.
A acção, concentrada num único dia de Junho, passa-se em três tempos e espaços diferentes.
Subúrbios de Londres, 1923
Virgínia Woolf acorda, no seu quarto em Hogarth House. Ela sonhou com um jardim e sonhou com uma frase para o seu novo livro. Que frase. Flores, alguma coisa relacionada com flores.
A recuperar de um colapso nervoso, ela tem dois desejos: voltar a Londres e terminar a história de "Mrs. Dalloway". Escrever… é a mais profunda satisfação que conhece, mas o seu acesso a ela vai e vem sem avisar. Pode pegar na caneta e segui-la com a mão enquanto se move pelo papel; pode pegar na caneta e descobrir que é meramente ela própria, uma mulher de roupão segurando a caneta, receosa e hesitante, apenas moderadamente apta, sem nenhuma ideia acerca de por onde começar ou do que escrever. Pega na caneta. Mrs. Dalloway disse que compraria ela mesma as flores.
Nova Iorque, no fim do século XX
Clarissa Vaugham, editora literária, caminha apressada pelas ruas de Manhattan. Vai comprar flores. Prepara uma  festa de homenagem a Richard, o poeta doente, uma angustiada voz profética das letras americanas, o seu melhor amigo e ex-companheiro. O homem que no passado ela roubou a outro homem.
Um dia, Richard tocou-lhe no ombro e disse carinhosamente: «Olá, viva, Mrs. Dalloway.» Ela tinha dezoito anos. Agora, com 52 anos acabados de fazer, a eterna Mrs. D, vive com a namorada Sally, e a problemática filha adolescente.
Los Angeles, 1949
Laura Brown, dona de casa insatisfeita, grávida do segundo filho, leitora incessante. Gosta de ler na cama, de manhã. Anda a ler Virgínia Woolf, tudo quanto há de Virgínia Woolf, livro por livro. Tem de levantar-se cedo. É o aniversário do marido. Marido perfeito. Tem de fazer o melhor bolo. Tem de comprar flores. O bolo não sai bem. Faz outro bolo. Sai de casa. Deixa o filho com uma amiga. Conduz o Chevrolet. Na cidade, entra num hotel e pede um quarto. Quarto 19. Põe o exemplar de Mrs. Dalloway no tampo de vidro da mesa-de-cabeceira e estende-se na cama. O quarto está impregnado do silêncio especial… está tão longe da sua vida. Foi tão fácil. Parece, não sabe porquê, que saiu do seu mundo e entrou no mundo dos livros.

Se o início deste romance é real e comovente, o final é ficcionado, inesperado, doloroso.
Não, não. Não digo!
Digo apenas que é excelente este romance de Michael Cunningham. Se ainda não leu, não sabe o que perde.

Quando terminei a leitura de “A Rainha da neve” (2014), de imediato decidi reler em 2015 todos os romances deste autor. Mais, decidi que “As Horas” (1998) seria o primeiro romance a aparecer no novo ano do meu “rol de leituras”, mesmo se sobre ele já praticamente tudo tenha sido dito, escrito e mostrado em filme. E que filme!
Decidi e cumpri.
(Comecei bem o ano...)

As horas, de Michael Cunningham
Tradução de Fernanda Pinto Rodrigues
Ed. Gradiva, 2000
226 págs.

06 janeiro, 2015

5º - Está num livro de José Saramago. Sabe qual é?

“Era o prenúncio do terramoto que não tardaria a produzir-se. Nas casas, nos cafés, nas tabernas e nos bares, em todos os lugares públicos onde houvesse uma televisão ou um rádio, os habitantes da capital, mais tranquilos uns que outros, esperavam o resultado final do escrutínio. (…) Às dez da noite, finalmente, apareceu na televisão o primeiro-ministro. Vinha com o rosto demudado, de olheiras cavadas, efeito de uma semana inteira de noites mal dormidas, pálido apesar a maquilhagem tipo boa saúde. Trazia um papel na mão, mas quase não o leu, apenas lhe lançou um olhar de vez em quando para não perder o fio do discurso, Prezados concidadãos, disse, o resultado das eleições que hoje se realizaram na capital do país é o seguinte, partido da direita, oito por cento, partido da esquerda, um por cento, abstenções, zero, votos nulos, zero, votos em branco, oitenta e três por cento…”

Se já leu, é fácil chegar lá. Vire as páginas. Releia. Deslumbre-se.
Se acertar, ganhará... um enorme aplauso!

O título do livro nº 4 é:
O evangelho segundo Jesus Cristo”, Editorial Caminho, 2004